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MICHÊ DE ARTISTA

De artista decadente ou de prateleira – que não está atuando – ou que ainda não “morreu” para o público.
Se a presença do artista ainda é requisitada, um misto de felicidade e alívio, não dá pro michê chegar perto. Mas, quando a guarda baixa em decorrência dos murros com que o estrelato golpeia sua cuca legal, ele pode não resistir, deixa de ser lúdico, perde a naturalidade e se desnorteia na sua carreira.
O michê se aproxima fingindo ter uma certa sensibilidade, é espirituoso, romântico,  guarda um amor em flor, para não falar na disponibilidade e talento para atender a rainha, ligado no beijo de causar impacto. Mas não é chulo, apenas explora as lembranças de uma artista que já foi mais reconhecida. Não é um qualquer, sabe ser educado quando a ocasião pede.
Não é burro nem bobo, é michê.
Michê é mixa. A satisfação corta um dobrado com o michê. O michê frustra, por ser a própria imagem do que você não alcançou na vida. O michê penetra e o orgasmo foge. Querer que o michê perceba a escrotidão em que se tornou, é exigir demais do ofício.
Michê e artista se merecem à medida que o acasalamento avança aos pouquinhos sem que isso seja motivo de comentário. Não é mesmo para ser notado. Se por um acaso a união ganhar corpo, o objetivo do michê é virar família, até careta, ao procurar dar uma formação moral e honesta a seus filhos, até para não serem iguais a ele. Conquistando uma dignidade que o michê julgava perdida no limbo onde se encontrava.
O michê é uma entidade que necessita ser reconhecida como de utilidade pública, pois é onipresente ao corresponder aos anseios de mulheres que se acham mas não são. O ideal seria erradicar os espelhos, pois quarto de dormir não é camarim e maquiagem não torna o cavernoso em bonito e feliz; tem utilidade no palco, para ser outra que não ela. Por não mais acreditar em si, afunda como artista, socorrendo-se do michê para resgatá-la do labirinto em que se meteu.
O michê é um cara que na próxima encarnação quer ser filhinho de papai, para não ter que cuidar de mulher perdida, que sequer tem consciência de que precisa de um michê digno de uma estrela que ela ainda julga ser, ao não se aperceber de que depende do pouco da fama que conseguiu conservar. À espera daquele que irá gostar do que sobrou dela.
Quando o michê e a artista descobrem que um foi feito pro outro, se libertam da carga do passado e não mais se destacam na telinha da vida, incorporando seres absolutamente comuns, mas de sentimentos ordinários.
Ambos destituídos de qualquer sex appeal ou brilho nos olhos, como se tivessem emplastrado uma máscara que soterrou seus traços de origem, transformando-os numa caricatura que deprime a quem antes pedia autógrafo ao artista. Hoje, foge da assombração do michê.

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Antonio Carlos Gaio
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