Esgotadas 12 horas de votação, quis a madrasta sorte que o resultado no Supremo Tribunal Federal ficasse em 5 a 5 e que a decisão coubesse justamente a ela, a presidenta da Corte, a ministra Cármem Lúcia, que estava pronta para fazer média com sua proverbial hipocrisia tucana, e por isso mesmo não queria decidir sobre o destino de Aécio Neves: se deve permanecer afastado do mandato e em recolhimento domiciliar noturno, e de não assistir ao Poder Legislativo revisar decisões emanados do Judiciário. Cármem então disse que acompanhava o voto do relator Facchin (de manter as restrições da liberdade de Aécio para que ele não siga obstruindo a Justiça), com apenas uma pequena discordância: a de que o Congresso devesse ter a palavra final sobre o assunto. Cármem foi tão anômala que merecia ser alvo de zombaria, mas seus colegas a aliviaram e apenas começaram a questioná-la tentando entender como ela poderia concordar discordando no essencial. Até que o ministro Facchin resolveu dizer-lhe o óbvio: “O ponto de divergência de Vossa Excelência é o ponto central da minha apreciação e de meu voto”. Em todas as explicações que buscou dar na sequência, quanto mais se empenhava para não parecer que sua decisão tinha relação direta com a salvaguarda de Aécio Neves, mais isso sublinhava sua parcialidade. Até que Cármem entrou por um caminho perigoso, a evidenciar que precisa tomar aulas com Gilmar Mendes sobre maquiavelismo: cada caso deveria ser analisado individualmente, como se exceção fosse – o que só confirma a matreirice de sua manobra. Deixando a porta aberta ao tribunal de exceção de Curitiba. Para que não pairem dúvidas: com Aécio não vai passar, mas se tivermos que votar ações relacionadas a petistas ou ao Lula, não nos sentimos obrigados ao princípio da coerência. O muro que separa justiça de perseguição veio abaixo com a casa do filho de Lula invadida pela polícia de Alckmin, sendo apreendidos computadores e celulares em virtude de uma denúncia anônima de que haveria drogas e armas no imóvel, mas nada sendo encontrado. Se a casa fosse do filho de Alckmin e o governador fosse o Lula, como seriam as capas de jornais e revistas? Quantos minutos o assunto renderia no Jornal Nacional? O fato é que a decisão de Cármem Lúcia não se revestiu de caráter excepcional. Foi um voto pela consagração da justiça seletiva. Significa que o crime é permitido para algumas pessoas. O momento exige exterminar com o PT e Lula face às apavorantes pesquisas, não cabendo botar para baixo, mais ainda, Aécio ou o PSDB. Por isso, na jogatina em que a política transformou o Brasil depois do golpe, Carmem Lúcia foi obrigada a revelar o jogo que tinha em mãos, sob as bênçãos do Supremo.