Qual é o encanto da mulher arisca?
Procede de um pai que a tratava como um biju, orientando-a a se relacionar com homens bem posicionados e se fazer de difícil, a insistência em conquistá-la comprovaria o interesse – o casamento como barganha. O que a encerraria e distanciaria da realidade do mercado, pois não se pensava em separação ao contrair núpcias. Se inevitável fosse a falência da união, a tendência seria a de não se libertar do ranço da educação.
A arisca só quer saber de ciscar, receia não ser de ninguém e ser de todo mundo. Faz-lhe bem as luzes da ribalta, mas para livrar-se dos amassos, prefere trepar no carro alegórico e mandar beijos para o seu séqüito. A despeito de toda liberdade sexual, acaba por encolher-se ao atrair o típico ardor do macho cobrir a fêmea. Reprime-se, procurando assegurar-se de que não se transformará em “laranja” de relações trânsfugas que aumentam o risco-Amor.
Ariscas são também notórias por fugirem logo que se apercebam de que estão no seu encalço. Com seus olhos de gazela, espreitam o mundo à sua volta, assustadas. Parece que soam sirenes avisando do ataque inimigo ao menor sinal de uma lábia em verso e prosa. Se pudesse, a gazela se abrigaria atrás do sol, onde ninguém espera encontrá-la. A salvo dos raios solares que tornam o amor uma ilusão de ótica. O que dá margem a levantar suspeitas de que afinal aprendeu a se proteger e de que deseja evitar queimar-se, uma vez que sua pele é extremamente sensível, incompatível com o bronzeado que cega as mentes atraídas pelas facilidades do crediário da beleza.
Não é pecado deixar de carimbar o leito que nos repousa. Mas não se vive impunemente a brincar com o amor, à burocracia do já não tenho mais idade para mexer nessas coisas, a entregar os pontos por conta de algo que não dará conta. Senão a arisca corre o risco de virar uma Barbie. Por que tamanho medo da mitologia que cerca o amor? Apenas por ser puro, lírico, repentino, esfuziante, arrebatador, perturbador, cortante, distante, quase inalcançável?
Parece uma maravilhosa criança de nariz empinado, com ar de santa. Exerce um fascínio irresistível por reafirmar a desproteção de que se reveste e tenta esconder. Quanto mais esquiva e desconfiada, melhor para entrelaçar destinos. Sobretudo quando não confessar jamais haver amado alguém numa dimensão transcendental.
Por guardar um único e verdadeiro temor: as avarias generalizadas que a caça pode desencadear no caçador. Em virtude da intempestividade do romântico, que vira o jogo e faz prevalecer o sentimento sobre a razão, a imaginação sobre o espírito crítico. Há que se manter a uma distância segura do que ele interpreta como sentimentalismo visionário e sonhador, desprovido do senso de realidade. Há que se manter a uma distância crítica da paixão, que o faz perder contato com a realidade prosaica e cotidiana. Há que evitar os desatinos cometidos em nome do amor.
A arisca faz pensar e imobiliza. Palavras de Cupido.
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