Quem mais se suicida é a classe artística, após ver sua carreira declinar e cair no ostracismo; os políticos, quando fracassam no seu maquiavelismo megalomaníaco; e os psicanalistas, ao não darem conta de interpretar o mundo dos sonhos de tamanhos personagens e ratearem na sexualidade de Freud.
Capucine, de “A pantera cor-de-rosa”, diante do rareamento de atuações tornou-se reclusa e deprimida; Pagu, a grande musa modernista do Movimento Antropofágico, não agüentou o rojão do vanguardismo e atirou contra si mesma por duas vezes e não morreu; Violeta Parra, conhecida por “Gracias a la vida”, se antecipou à repressão sanguinária que se abateria sobre a América Latina sob ditaduras militares; apesar da fama e fortuna, a cantora Dalida suicidou-se desiludida com o mesmo fim de seus três maridos; um deles foi Luigi Tenco que, ao não se sagrar vencedor no Festival da Canção de San Remo com “Ciao, amore, ciao”, saiu de cena antes que a música virasse sucesso no mundo inteiro.
O esporte favorito da mexicana Lupe Vélez era passar na cara todos os atores com quem trabalhava, chegando a se casar até com o Tarzan Johnny Weissmuller. Aos 36 anos, grávida de seu último amante, planejou um suicídio melodramático com gardênias e velas em profusão, vestida de lamê, depois de cear com as amigas. A combinação da comida picante com 75 comprimidos de Seconal levou-a a se aliviar esbaforida, escorregando e caindo de cabeça na privada. Tanto glamour para uma morte inglória.
Na carreira de grandes artistas a memória procura primeiro os momentos de glória e aplausos. Embaixo do tapete proliferam tropeços, fracassos e rejeições, que praticamente desaparecem ante o brilho que a obra ganha na posteridade. Acreditando-se um autor frustrado, John Kennedy Toole matou-se aos 32 anos por não conseguir publicar “A Confederacy of Dunces”, a história de um intelectual gordo e desajeitado que tem empregos ruins e namoros complicados enquanto mora com a excêntrica mãe. Provavelmente inspirada na sua mãe, que convenceu a Universidade de Louisiana a publicá-lo doze anos depois. O livro ganhou o Prêmio Pulitzer, foi traduzido para dez idiomas e vai virar filme.
Sócrates fazia com que as pessoas conhecessem a si próprias, induzindo-as a observar suas próprias contradições na perseguição da verdade, com ironia. Não deu outra, tachado de subversivo e corruptor da juventude, foi condenado ao suicídio, no que o fez com a maior dignidade. Nem assim os gregos se livraram do segundo atentado contra a filosofia – com cicuta, era moda. Vingaram-se de Aristóteles, o preceptor de Alexander, o Grande, que retribuiu ao mestre financiando a Escola Peripatética – lecionava filosofia passeando. Válido para a democracia ateniense como para o império romano. Caio Petrônio, autor de “Satyricon”, caiu em desgraça com Nero e foi convidado a cortar os pulsos, no que o fez dentro de uma banheira contando histórias aos amigos até morrer.
O que importa não é vivermos ou morrermos, mas sim o que criamos, por mais breve que seja. Palavras de Spartacus, quando lutou por um mundo sem escravidão, que só viria a ser abolida dois mil anos depois. Na época, achavam que morreu em vão, mais um escravo a cair no esquecimento. Mas ele tornou-se lenda e perdurou, continuando a viver através do boca-a-boca de outros escravos e de quem se sentia ameaçado com a perda de privilégios. Spartacus propunha a união de homens considerados animais, filhos de rameiras e desprovidos de alma, contra o opressor. Ser como o inimigo é ser vencido por ele, a bandeira de sua utopia.
Acredita-se que os espíritos superiores procedem, nas suas revelações, com uma extrema sabedoria. Não abordam as grandes questões da doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência está apta a compreender verdades em uma ordem mais elevada. É por isso que, desde o princípio, eles não esclareceram tudo, e não disseram tudo ainda hoje, não cedendo jamais à impaciência de pessoas apressadas que querem colher os frutos antes de amadurecidos.
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