Segundo a doutrina espírita, não basta não fazer o mal. Isso diz respeito à nossa responsabilidade quanto ao que fazemos ou deixamos de fazer em nossa passagem pelo planeta. Mas as diferentes vertentes religiosas não abordam que também seremos responsabilizados pelo bem que deixamos de fazer, bem representado por “fora da caridade não haver salvação”.
O pensamento corrente é que o homem terá de prestar contas dos males cometidos em sua existência e punido pelo que aqui de ruim houver praticado. Se conseguir se livrar da justiça dos homens, com certeza não escapará à justiça divina.
O fato não passou despercebido na parábola de Jesus, “Lázaro e o rico”. Eis que um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, vivia todos os dias de forma regalada e esplêndida. À porta de sua mansão, estava sempre presente um mendigo chamado Lázaro, cheio de chagas e que ali vinha em busca de alimento. Um dia o mendigo morreu, pouco depois falecendo o rico, que se viu, porém, colocado no inferno, enquanto Lázaro desfrutava de uma boa situação no seio de Abraão.
Quando chamado pelo rico, que ardia em sede e pedia que Lázaro ao menos refrescasse sua língua, Abraão foi peremptório: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá”.
É bom observar que a parábola não menciona que o rico dera um mau passo e cometera algum delito. Apenas informa que ele jamais deu a mínima importância para a presença constante de Lázaro e, além disso, usufruíra, egoisticamente, os bens que recebera em vida.
O assunto é tratado de forma objetiva em diversas questões de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, a principal obra da doutrina espírita. Eis, sinteticamente, o que esse livro nos ensina:
– Cada indivíduo será punido não só pelo mal que haja feito, mas também pelo mal a que tenha dado lugar (questão 639).
– Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, é tão culpado quanto o outro (questão 640).
– Não basta que o homem não pratique o mal. Cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem (questão 642).
– O Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que houvera podido fazer e não fez e por todo o mal que decorra de não haver feito o bem (questão 975).
A perfeita compreensão de como funciona a justiça divina alarga o seu conhecimento espiritual e constitui o primeiro passo para que o indivíduo reformule seu programa de vida, suas ações e atitudes, consciente de que seu papel neste mundo exige participação e solidariedade, que foram exatamente o que faltou ao rico focalizado na parábola narrada por Jesus.