As cenas de sexo que pontuam o cinema no início do século XXI comprovam a mudança de cara nas preferências orgiásticas: Naomi Watts e Laura Harring se atracaram com sofreguidão em “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch; Lázaro Ramos e Felippe Marques devoraram-se em “Madame Satã”, de Karim Aïnouz. Muito distante de “Aconteceu Naquela Noite” (1934), de Frank Capra, em que bastou Clark Gable aparecer sem camisa para a platéia cair em êxtase.
No século XX, as extravagâncias nos jogos sexuais ainda eram de domínio hetero. Em “O Último Tango em Paris”, de Bertolucci, Marlon Brando dá um show de cafajestice e abusa da manteiga no sexo anal com Maria Schneider – hoje seria objeto de campanha publicitária. Em “O Império dos Sentidos”, de Nagisa Oshima, o casal precisou se socorrer na capação e enforcamento para interromper a cópula sem fim e terminar o filme baseado em fato real.
Contudo, Almodóvar nos fez percorrer uma galeria de sexualidade para todos os gêneros, atraindo um grande público que passou a aceitar a perversidade e sadismo como de existência cada vez mais palpável: em “Ata-me!”, o amor nasce de um seqüestro com estupro; em “Tudo Sobre Minha Mãe”, um travesti engravida uma freira; em “Fale com Ela”, humaniza o enfermeiro psicopata que abusa de sua paciente em coma.
Deixam na saudade os anos dourados de “A Primeira Noite de um Homem”, em que o garoto esquisito Dustin Hoffman demorou o filme inteiro para traçar a coroa Anne Bancroft, a dona-de-casa entediada. Já no filme “O Amante” (1992), Jean-Jacques Annaud nos faz assistir de camarote às relações sexuais entre um nouveau riche asiático e uma ninfeta francesa, amalgamando raça, diferença de idade e desnível social, pois ele se insere nela e no seio de sua família falida e decadente como um colonizador num Vietnã ocupado pelos franceses.
É bem verdade que não ficou de todo ultrapassado “Nove Semanas e Meia de Amor”, em que Mickey Rourke e Kim Basinger se lambuzam com todas as guloseimas da geladeira. Ainda causa frisson William Hurt arrebentando a porta para possuir Kathleen Turner em “Corpos Ardentes”.
O que falta mais para descobrir no sexo, se felação e estupro abundam na telona? Difícil é pintar um clima diferente.