Ninguém me ama, ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor / A vida passa, e eu sem ninguém / E quem me abraça não me quer bem / Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso / E hoje descrente de tudo me resta o cansaço / Cansaço da vida, cansaço de mim / Velhice chegando e eu chegando ao fim.
Quer maior desencanto com tudo e com todos? Música composta por Antonio Maria em 1952, “Ninguém me ama” foi celebrizada pela voz de Nora Ney e ecoada pela Rádio Nacional. O choro comum das mulheres casadas ou abandonadas ou solteironas dessa época, sob o peso do machismo. Saudades de nossas mães ou avós ou madrinhas, que adoravam cantar “Ninguém me ama”, quando infelizes no casamento ou o pai de seus filhos desaparecia na imensidão da vida, ou mesmo não conseguiam se casar.
Um pranto desmedido em memória dessas valorosas mulheres, que viveram à sombra ou no anonimato dos mais cruéis.
O contraponto da época: “Hino ao Amor”. Celebrizado por Edith Piaf na França e Dalva de Oliveira no Brasil, agora revivido pela Celine Dion, na abertura das Olimpíadas.
Meu Deus do Céu, por que será que tudo isso se perdeu? Sem ser nostálgico, como era linda essa época! O amor era tão valorizado na dor, no cansaço da vida e no cansaço de si próprio! Hoje tudo parece tão ordinário e decadente, sob a capa de uma modernidade que não para de se renovar, mas que ainda encampa a mentira desbragada e a hipocrisia, sob o signo das fake news e da inteligência artificial, prova de que o legado do “ninguém me ama” ainda não foi sepultado e algumas herdeiras ainda padecem da falta de um amor, quanto mais verdadeiro.
O mais ridículo, segundo o pensamento atual, é o ninguém me ama, ninguém me quer ser atribuído a não conseguir alcançar o orgasmo ou não ter gozado uma vez sequer na vida, deficiência impingida à mulher – como sempre. O que também faz lembrar, de fracasso em fracasso, que ninguém me chama de meu amor, enquanto a vida passa, e eu sem ninguém, o que dá margem a cansaço da vida, cansaço de mim.