Poucos cineastas, como Ciro Guerra, conseguiram dialogar tão bem com os elementos naturais da Amazônia, a cada pedaço navegado de um rio, subindo corredeiras, ou de matas percorridas a emprestarem sua grandiosidade a paisagens da Amazônia que compõem o esplendoroso cenário de “O Abraço da Serpente”. Nunca se viu antes o cinema retratar de forma tão soberba e com tantas nuances o conflito entre o chamado mundo “civilizado” e “selvagem”, no rigor de uma viagem espiritualista de caráter investigatório à relação entre brancos e a cultura indígena, além de examinar a relação entre as diferentes culturas autóctones e as plantas, baseado no relato do explorador Theodor Koch-Grünberg, etnologista alemão que contribuiu relevantemente para o estudo dos povos indígenas da Amazônia até o sul da Venezuela. Nos primeiros anos do século XX, Grünberg explorou nesse percurso, a pé e de canoa, várias regiões ainda hoje de difícil acesso, e estudou sua mitologia, lendas, a etnologia e a antropologia. O filme é centrado em Karamakate, um xamã amazônico e último sobrevivente de sua tribo, que vive na selva em isolamento voluntário e propenso a transes místicos, com o dom de conversar com os espíritos e poderes de vidência e de enxergar longe, transitando da magia à cura. Sua vida muda com a chegada de um pesquisador americano (inspirado no explorador Richard Evans Schultes), que procura a planta lendária com altíssimo poder de cura, influenciado pela pesquisa de Grünberg. Juntos, embarcam numa jornada ao coração da Amazônia, na qual passado, presente e futuro estão interligados e em que Karamakate irá recuperar lembranças esquecidas, quando se constatará o estrago que o Ciclo da Borracha provocou na Amazônia e a redução da estatura antropológica da cultura indígena por meio da catequização e da aculturação. Os índios não dividiam seus segredos em hipótese alguma, a menos que você demonstrasse ser um xamã em potencial, possuísse magia em sua personalidade, o que não é para muitos. Apenas aqueles que sabem lidar com a Natureza e seus desígnios, com a real natureza das coisas, em estreito convívio com as plantas, os peixes, o rio, os animais, a floresta, o Céu e os espíritos. Valores com que os colonizadores e invasores pouco se importavam e nos quais se detém o filme colombiano, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro e superioríssimo ao “Filho de Saul” e “Cinco Graças”.