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O AGNÓSTICO

O misticismo se renova a cada cinco minutos, o Cosmos obriga. Os livros de auto-ajuda se multiplicam. Os anjos nunca foram tão solicitados. A física virou metafísica. O médico virou pai-de-santo, pois não agüentou a precisão cirúrgica da medicina. Psicanálise reichiana, acupuntura, meditação, shiatsu, reiki, tai chi chuan, tarô, astrologia, cabala, quirologia, cromoterapia, i-ching, runas e outros, integram a bíblia do admirável mundo novo espiritual.
Salutar e abençoada a atitude de querer mudar, garante quem já sentiu o gosto da evolução. Ruíram as convicções de orgulhosos agnósticos que pretendiam abalar os alicerces da sociedade, embora ainda façam questão de exigir os mesmos princípios democráticos fundados em valores burgueses que execravam, no afã de expressar sua opinião e tentar explicar o porquê de mudarem tanto. Sem, no entanto, convencer nem mostrar sinais de arrependimento. Afinal de contas, não é mais preciso dar o braço a torcer, a autocrítica acabou.
O agnóstico cultiva um pavor pela morte porque, apesar de ter certeza de que não existe vida após a morte; na verdade, não tem certeza. Como se defrontar com aquilo que não pode vencer? Como enfrentar aquilo no qual não acredita? Não importa o diabo de forma assumida, seja o Juízo Final, Deus, espíritos, assombração. Até o Nada assusta. E se gosta tanto da vida, é outro motivo para não morrer. Vale a pena ser eterno. Ainda mais que desenvolveu notavelmente sua inteligência, adquiriu mil e um conhecimentos, foi heróico, colecionou amores, passou adiante sua sabedoria. Seria injusto interromper uma existência tão brilhante.
Por vezes, o agnóstico chega a se comportar como uma criança, exigindo explicações detalhadas sobre como a física e a química atuam para operar a mecânica da vida. Transforma a realidade em mulher-objeto de seu raciocínio. Seu umbigo não consegue enxergar as pessoas, apenas o papel que elas desempenham perante Ele. A bagagem literária pesa mais que a sabedoria intuitiva. Não acredita que exista vida inteligente além do império dos sentidos e do intelecto, embora reconheça que, ao morrermos, não faz sentido apagar a memória, identificação do Seu fecundo passado.
O agnóstico duvida da felicidade. Ridiculariza a urgência em querer ser feliz num planeta contaminado pela miserabilidade. Entediado, torce o nariz para o que não é genial. Ídolos, de preferência, os já falecidos. Segrega o indivíduo intuitivo e de consciência religiosa. Música em igreja é para fazer a cabeça, hipnotizar a platéia. Exalta a beleza da arquitetura de capelas e templos, se omitindo quanto ao seu interior que convida a uma reflexão sobre si mesmo. Imagina que seja um SOS velado. Porque descrê de tudo. “Não preciso de muletas”, afirma, até algo de grave lhe ocorrer.
É abrindo o coração que a espiritualidade se inicia, com um senso de gratidão por estar vivo, pela dádiva de pertencer a este universo, cujo ritual é celebrar o ato de dar e receber de todo o santo dia. É preciso abrir espaço para desvelar o verdadeiro significado da religiosidade, sempre associado ao cumprimento escrupuloso dos deveres litúrgicos, os papa-missas acima de qualquer suspeita. E se entregar ao supremo pertencer, perceptível nos picos de fé.
Humildade, artigo raro na despensa do agnóstico. De uma teimosia crônica que não conjuga com o seu belo raciocínio que, por vezes, merece aplausos. De que adianta, se implausível for a filosofia e faltar-lhe visão?

Antonio Carlos Gaio:
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