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O ASSEXUADO

O assexuado se cansou do amor, de não mais querer se submeter ao desgaste de um casamento, muito menos de se conformar com cobranças de uma mulher hoje hiperativa em relacionamentos, por mais sutis que sejam, nem recorrer à baixeza e vulgaridade de prostitutas. Ficando sem opção. Correndo o risco de ser rotulado de gay pelos amigos por não exercer a mais legítima expressão de vontade do homem: a obrigação de endurecer o pau e penetrar na vagina, caindo no exagero de “comer todas”.
Os assexuados são desprovidos dos cromossomos que identificam o caráter másculo e o revestem de uma fragilidade e sensibilidade antinatural nos homens que os homófobos classificam como gay. As noções de amor com que se iniciou já não existem mais, lá fora a festa acabou, o crepúsculo aponta ao longe. Perdeu seu paradeiro, sua coragem, sequer deixou rastros. Vara a noite aflito à procura do dia da caça, do caçador que dava um bote certeiro nela que, dominada, não se desvencilhava. Nostálgico de um tempo em que entrava numa gafieira e vasculhava feito um zoom a quem declarar: se você é meu sonho, eu sou o seu. A cada close, foi perdendo a pose.
Quantos carnavais não se passaram para essa mulher levar seu sorriso que continha seus planos, de todos os dias dar os mesmos passos quando, na verdade, queria muito poder mudar. Essa mulher está pra lá de pra frente, decidida a avançar. Desmontando o homem. Sobrou do desencontro um desalento que não tem remédio, um somente só no descaminho.
Não são como os misóginos que sentem uma aversão pela mulher de hoje, mais forte e independente, apenas se incompatibilizam com a mania dela de pôr os pingos nos is, exigindo transparência dele em estabelecer sua masculinidade – que costuma ser confundida com dominação ou capacidade de dar prazer. Ao se verem no papel de rei nu, não se ajustam, não se amoldam, julgam-se atropelados pelo desejo avassalador da mulher em vencer o carma de ter aceitado ser feliz atrás do marido. Tudo para descobrir, anos depois de convivência, que é um assexuado cujo carisma disfarça que perdeu completamente a atração que tinha por ela. Comprometendo a atração pelas outras.
O assexuado não é como o gênero macho que não se conforma que ponham dúvidas sobre sua fidelidade, irritando-se com crises freqüentes de ciúme, ao invés de redobrar seu carinho; à medida que o relacionamento se estreita, certas liberdades devem ser cortadas para o bem comum. O assexuado passa ao largo de tais recomendações, mas se considera ameaçado por não se achar um homem à altura do porte dessa mulher cheia de energia, mesmo que exagere e não seja tudo aquilo que imagina. Sente os seus efeitos e puxa o freio de mão.
O assexuado olha para o seu umbigo. Pensa que é só com ele. Faça-me o favor, o assexuado virou um fragmento de si. A saudade será o seu maior fantasma. Abandona o posto de sonhador e acumula perdas e danos em seu peito. Deixá-la louca beijando sua boca soa como poesia distante em pleno exílio de sua formação de homem.
O que será que andam falando do assexuado? Do que não têm certeza? O que não faz sentido? E o corpo testemunhar a alma tocada, faz? Será que nas horas mais frias das noites intermináveis o amor não pensa em voltar? Não há ninguém nas ruas que saiba decifrar o assexuado, uns sorriem fazendo pouco, outros o tomam como perdido, outros apressam o passo negando as evidências. Quem foi a mulher de sua vida? Olha pra cima pedindo ajuda, busca no trevo uma solução e descobre-se numa encruzilhada. Jamais a conheceu ou encostou na sua vida… e o deixou assim.
O assexuado se sente incapaz de tirar a mulher do sério, de arrancá-la de seu centro para, vis-à-vis, livres das amarras, ensaiarem um concerto. Perdeu a disposição em explorar florestas fechadas e neutralizar o amargo da descrença. São homens cujo falo não é o seu forte, que não sabem chegar junto, concebidos para serem conquistados por mulheres com termodinâmica elevada.
À Espanha de Franco sucedeu a de Almodóvar, a caminho de permitir o casamento gay e o direito de formar família, alçando-a à vanguarda em direitos homossexuais. Deixam de ser cidadãos de segunda classe e obrigam indecisos a saírem do armário, botando pressão nos assexuados e desafiando-os a pôr luz na sua face oculta, pois o sexo é natural, não se pode afrontá-lo, ignorando-o. Mas acontece que o assexuado tem ojeriza ao babaca que quer se dar bem sempre e exibir o produto da caça para a platéia embevecida. Desdenha da preocupação obsessiva de atletas tirarem leite de pedra na horizontalização das relações.
O assexuado se sente isolado nas reuniões sociais, o burburinho o impede de atinar com o que Deus quis dizer com este mundo. Na multidão então, todos atravancam seu caminho, melhor seria se reduzir a uma cambaxirra e, no buliço, descobrir uma legião de mulheres iguais a ele que, aturdidas, penduraram as chuteiras e engrossaram o caldo – que fastio! O contágio levanta a lebre de ganhar uma sobrevida no tempo que já passou, importante saber se Deus ainda acredita nessa gente, ao que Ele responde:
– O verdadeiro analfabeto é o que não aprendeu a ler nas entrelinhas.

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Antonio Carlos Gaio
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