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O ATO DE BISBILHOTAR

O ato de bisbilhotar é comparável à cleptomania, no tocante ao impulso irreprimível. É também considerado um crime passional, não passível de cadeia mas propenso a separar casais, quando chega ao ponto de varar contracheques e cartas de amor de amantes agravadas pela marca de beijo, provavelmente de batom vagabundo, guardadas no fundo de gavetas indevassáveis. Geralmente atribuível às mulheres quando reparam que a roupa nova não faz parte de seu repertório. Pinçou-se no auto da devassa uma carta de amor em relação ao flagrante, que vale como um libelo de defesa:
“Não vou me justificar porque li o que não devia ter lido. Mas o que me chamou a atenção e me deixou curiosa foi aquele bilhete que estava ali para quem quisesse ler. Você sempre me preveniu quanto a pessoas espaçosas que mal sentam às mesas e já se põem a examinar tudo, só falta abrir as gavetas. No que abrem o armário, “puxa, quanta roupa, hein?”. Fingem procurar remédios no banheiro enquanto vasculham camisinhas ou tranqüilizantes. Eu sei que você adora bilhetinhos, que mal há em dar uma espiada? Alguma coisa me empurrou para ler o que estava escrito: meu anjo, meu demônio, não sei. Segundo você, eu bisbilhotei, não tinha o direito e outras coisas mais. Você me tratou como quem tivesse cometido um crime, me julgou e me condenou na mesma hora. Essas coisas não acontecem por acaso e não é do meu feitio bisbilhotar, você já devia saber disso, mas é triste perceber o que significo. Nada. Passei a entender todos os sinais que você tem dado. Não estou reclamando, mas preciso dizer como me sinto, pois espero não cometer mais erros desse tipo. Acreditava que se você não sentia amor por mim, ao menos carinho e respeito. Mas vejo que estava enganada, pois parece que cometi um ato abominável. Estou me sentindo péssima e envergonhada, no lugar de mulher mal intencionada e sem caráter, enquanto as outras são santas e princesas. Sei que não vou conseguir mudar seu conceito a meu respeito. Espero que esteja tranqüilo com sua consciência e que venha a ser muito feliz ao lado de pessoas merecedoras da sua amizade e amor.”

Antonio Carlos Gaio:
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