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O CÃOZINHO SEM DONO

É mais fácil conhecer o cãozinho sem dono pelo extenso e eclético currículo amoroso. No entanto, a reputação de Don Juan o incomoda. Jura de pés juntos gostar de relacionamentos longos e procurar ser sempre fiel. Discreto, ele jamais abre a boca para comentar algum romance. Fala somente do que gosta e do que sabe. É capaz de ficar horas contemplativo tocando uma música no violão. Quando não escreve poesias e compõe para a namorada.
O atrativo de peso no cãozinho sem dono é o atestado de qualidade que as relações passadas lhe proporcionam. Mesmo com um histórico de fazer inchar de orgulho do avô ao padrinho, desperta a curiosidade nas mulheres que ficam querendo saber o que ele tem de tão especial. Só pode ser coisa boa, se as suas ex só têm palavras elogiosas, realçando quão atencioso é com os filhos em comum.
Os cãezinhos preenchem as fantasias dos tios, que apostam no milagre dos peixes: quanto mais mulheres caírem na rede, mais acende nas outras uma chama de curiosidade, atração e desejo. Para desvendar o mistério de figura tão monossilábica. Nas mãos de São Pedro, o guardião das chaves do céu.
O cãozinho sem dono é conhecido pelo vulgo de “pica-doce” e espirra em quem está à sua volta. Ele não mexe uma palha, são elas que o assediam. Parte de seu sucesso se deve a algo muito mais prosaico: a inevitável cara de cãozinho sem dono que as mulheres adoram. Tem gestos tímidos, fala mansa, jeito de quem está sempre pedindo licença. É aquele tipo que a mulher quer colocar no colo.
O problema que lhe toca é a pecha de sempre aparecer como coadjuvante de suas beldades. Pode até tocar muito bem os sete instrumentos, mas é a diva que invariavelmente brilha a seu lado. Torna-se uma preocupação, pois ele é muito mais do que isso, mas não consegue provar. Quem cala consente, aumentando o nível da irritação de sua mãe:
– Eu digo para ele que todo mundo gosta de fofoca. Foi buscar lã e saiu tosquiado. Não pode reclamar.
Menino indefeso e amável que, com o correr do tempo, ninguém irá respeitar. Porque não se impõe como macho, ao não se mostrar independente e fazer valer a sua vontade. Também pudera, mamãe criou-o passando açúcar de cima a baixo. Acabou perdendo-o para mulheres esfaimadas que só pensam em jantar para comer a sobremesa e depois ainda restarem insatisfeitas. Porque ele é um fino que não satisfaz, salvo pelo conjunto da obra, que não agride e exala uma leveza que o torna um falso belo.
Sua aparente harmonia de frescor zen não se sustenta, ao esconder a palidez na difusão de cores que irradia para iludir. Não faz por mal, sequer por um mecanismo de sobrevivência, apenas procura disfarçar sua extrema fragilidade.
O cãozinho sem dono não faz apologia de si nem gosta de estar em evidência, cultiva uma insegurança, um medo de seus projetos não se realizarem. Atrai mulheres de têmpera forte, que se satisfazem em tutelá-lo. Ele não abanará o rabinho, mas dormirá o sono dos anjos ao lado de sua dona.
Emocionalmente, o cãozinho sem dono é complicado, por não esconder seus conflitos, não ter medo de revelar seu íntimo para, em troca, receber carinho e proteção. Não receia ser associado a gay, faz até pouco caso da ignorância do homem sobre a alma feminina.
Como a estética do mundo é gay em virtude da crise porque passam os heteros, refletida nos desacertos entre homem e mulher, o cãozinho sem dono conquista espaço gradativamente e se insere nesse vácuo. Considerado como grande pensador e civilizado, afaga na conversa com palavras doces e amigas, e propaga a paz que deve reinar entre os homens de boa vontade. Um homem realmente encantador e antenado com a nova era.

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Antonio Carlos Gaio
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