Era uma vez um grande artista plástico, autor de instalações labirínticas, exímio sambista, performático, com o dom da palavra e da poesia, cheio de parangolés, que se transformaram em adereços de arte e na sua marca. De espírito inquieto, do tipo que não se satisfaz com o que lhe foi dado a conhecer, partiu antes de ver sua obra ocupar salas exclusivas em museus internacionais. E ao irmão, sem o seu talento, coube a guarda do acervo e sua exploração: a palavra final onde o conjunto da obra será exibido. Pois não é que o guardião deixou queimar as sagradas relíquias no porão de sua casa por culpa de um miserável curto-circuito no desumidificador, cuja função era preservar a memória? O fogo entrou em cena para testar se o que ele sente é inveja do talento do irmão gênio, que elevou o nome da família e do Brasil. É muito comum na arte o despeito de por que ele e não eu. Questiona-se Deus por Suas escolhas. Como se houvesse injustiça e as atribuições do guardião fossem menos do que o seu irmão criou. Se o artista morreu precocemente é porque paira no ar a missão de tornar sua obra mais explorada e quebrar resistência. Cabe ao guardião ser vigilante, bombeiro e enfermeiro, ao invés de se concentrar em ser dono de um patrimônio que pertence à Humanidade, sonhando em ocupar o posto de quem já morreu.