Não foi possível mais abafar a repugnante exploração de meninos e adolescentes por padres que se valeram do poder conferido pela batina. Jogaram por terra a autoridade moral e a credibilidade pública da Igreja Católica, desmoralizando o rosário de perdões pelos erros cometidos desde a Inquisição, perdão por genocídios, à mulher, negro, índio, a escravatura em geral que chancelou. Avinagrou a recuperação de uma imagem que havia sido perdida pelo papado, João Paulo II se tornara chefe de Estado do Vaticano.
Tentar tapar o sol com a peneira por meio de reprimendas simbólicas, transferências para outras paróquias ou tratamento psicológico em clinicas especializadas, não impediram nos últimos 40 anos que crianças fossem estupradas com o requinte do padre Shanley em seu trabalho pastoral com meninos de rua. Jogava strip-pôquer – tira-se uma peça de roupa a cada rodada perdida – com os candidatos à primeira comunhão e depois rezava missa, dando sua modesta colaboração à expansão das instituições psiquiátricas e indústrias de tranqüilizantes.
Bispos omitiam de outras dioceses a pedofilia que grassava em aconselhamento de adolescentes atormentados com problemas sexuais e drogas, numa cumplicidade indecorosa que compromete a alta hierarquia da Igreja e confronta a justiça de Deus com a justiça humana. Quem peca tem o direito de se redimir ao se ajoelhar no confessionário e ser perdoado. Já a sociedade exige justiça, socorro!, chama a polícia, temos inúmeros filhos para criar e proteger de novos ataques de acusados impunes e outros amorais acobertados pela sombra da Moral.
João Paulo II virou uma lenda em meio ao mal de Parkinson, a ser embalsamado em vida tal como Lênin o foi em morte – o papa não é obrigado a renunciar nem é possível prever até quando ele ficará vivo. Seu andamento pesado e vagaroso debilita o símbolo do Sumo Pontífice sobre o qual se alicerça o poder patriarcal e centralizador de uma Igreja unócula, versada na rigidez moral, cujo ápice em 23 anos de pontificado foi derrubar os regimes comunistas da Europa em efeito dominó e reduzir a pó a Teologia da Libertação, ao longo de um percurso que correspondeu a 30 voltas em torno da Terra, por 125 países, para bater o recorde de canonizações.
O alarme tocou quando o arcebispo Paetz, amigo de João Paulo II, renunciou na Polônia. Quando a Irlanda torra milhões de dólares em reparações para fugir da Justiça. Quando países mais negligentes em matéria de moral e de investigação policial, como o Brasil, começam a prender, é sinal de falência na virtude moral e nos cofres do Vaticano, as doações irão minguar.
Para quem tinha de lidar com permissão para casamento de divorciados ou com a velha pílula, evoluir para a pedofilia de batina é mergulhar na realidade do homossexualismo no sacerdócio, a maioria dos casos envolve padres com garotos crescidos. Já vão longe os tempos em que eles construíam passagens secretas em conventos para chegar nas freiras.
A questão esbarra no celibato obrigatório, jurisprudência firmada pela mentalidade inquisitória, não prevista na letra evangélica, mas que não afeta a peculiar flexibilidade dos africanos, a maioria possui amantes. Nem a mulher do padre, que merece um monumento pela devoção a quem não conjuga mais a missa em latim.
O sexo ainda é um mistério, desde o Evangelho segundo Jesus Cristo, a despeito de toda liberdade sexual que atingimos.
Para quem acredita na plenitude do sexo, no sexo tântrico e no orgasmo múltiplo, a vida religiosa infunde a falsa esperança de controlar o impulso sexual, se pervertido ou não é outro problema. Para Le Pen, o mais novo sociólogo da praça, a libertinagem tornou padre necessitados de exorcismo que se aproveitaram da imunidade da batina e corromperam menores. A terceira via afunila a questão de que a abstinência sexual leva à perversão. Por cortar o que tem de mais natural na nossa existência, o celibato ampara os conflituados sexuais, atraindo os que não agüentam a pressão da sociedade a exigir uma vida sexual normal, no seio de uma família.
Rezemos para que Deus ilumine sua própria Casa, onde impera o segredo no frigir de escândalos. A resistência física de um grupúsculo de prelados idosos está no limite para superar uma das maiores crises da Igreja desde o Holocausto. Pior do que Hitler só a pedofilia, tiro certeiro no coração da família.