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O DIA DA CRIAÇÃO DO HOMEM

A mistura da dor de perder com a sensação de liberdade de deixar alguém partir. Quando o filho comemora por dentro, sem nada dizer, no instante em que seu pai se despede dele ao separar de sua mãe. Finalmente terá mais liberdade, menos repressão e controle, o fim do mau humor e insatisfação reinantes no lar. A certeza de não mais ter um pai para atrapalhar, interferindo na trajetória de um filho que não foge à luta, e que um dia irá ser alguém que seu pai somente compreenderá quando vier a morrer.   
A dor de perder alguém como o seu pai que, com a separação, julgou não mais amá-lo, mas que descobrirá, em breve, ter sido o melhor que aconteceu para a sua vida. Por trocar o que julgou ser uma rejeição pelo alívio de ter descoberto que o chamado amor de pai pra filho só iria lhe fazer mal, tirar sua iniciativa e secar sua fonte de criação. Melhor faria se enchesse o peito de ar e o deixasse partir, expirando.   
Deixar alguém partir pode ser extremamente doloroso, ainda mais diante da impossibilidade de um pai idealizado vir a substituí-lo. Mas quando sobrevém a sensação de liberdade em concomitância com o fim da dor de perder, não mais pesando o mutismo daquele que poderia ter sido o seu melhor interlocutor, o garoto se torna um homem feito, ao responder por suas atitudes e ações, sejam elas quais forem. Estando preparado, como o outro ser em que ele se converteu, a aceitar a partida e parar de sangrar no lamento da chance perdida de ambos serem grandes amigos. E no inconformismo de ter havido oportunidade e não ter sido aproveitada. 
Nada que não possa ser reparado espiritualmente, cultivando-se o perdão, a concórdia e a paz de espírito. A ansiedade e a aflição cederam lugar ao amor não expresso em palavras entre dois seres, um em espírito e outro em matéria, que se regozijam de terem evoluído para, por fim, se encontrarem, reproduzindo o Dia da Criação do Homem. A obra de Michelangelo na cúpula da Capela Sistina do Vaticano, representada pelo dedo de Deus quase tocando o dedo indicador do primeiro homem. Criando uma área de alta tensão energética em que o Espírito Divino magnetiza seu primeiro filho de modo a ele encarnar sua própria história. 
A história se repete na obra de mesmo caráter em que o pai desencarnado veio preparando o filho para ele se espiritualizar e ambos se comunicarem ao cabo de grande perseverança, permitindo a troca de afeto e da boa vontade que não foi possível no plano material. E o filho usufruir do aconchego paterno que minimiza sua solidão e a incompreensão de que tanto reclama. Continuando a escrever sua história. Com mais fé e convicção. Tendo Ele ao seu lado.
Antonio Carlos Gaio:
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