Para perceber que está entrando no paraíso dos eremitas, você tem que entrar no mundo da lua. O eremita se transforma em eremita quando não quer mais ser reconhecido, quer que o esqueçam e não se lembrem mais de seu nome. Mesmo porque, se começar a divulgar o nome dos que descobrem edens, eles acabam virando ídolos a serem reverenciados por ecologistas e individualistas de plantão.
O eremita desistiu de ficar frente a frente com Deus e descobrir, de uma vez por todas, o sentido de tanta existência e sofrimento. Prefere estar consigo, mesmo que se deteste. Muitos deles são egressos do fascínio pela busca desenfreada de avanços tecnológicos.
Se considera o rei de um reinado sem plebeus na medida em que não enxerga ninguém à sua frente. Vai de encontro à natureza das coisas para fugir da sociedade, do contato com os outros, da imensa falsidade que permeia as relações humanas. Pra falar a verdade, não tolerava o próximo. Era prisioneiro de si mesmo, a fiel imagem do fim de alguns que se julgam mais do que os outros. Custara-lhe muito aprender a viver sozinho – sem companhia – e pretendeu demarcar seu território.
CO que preocupa na tormenta é quando ela não dá indícios de parar, de tal rapidez que impede o raciocínio, dificultando a fuga a tempo, empurrando-nos para o que mais tememos: ficar cercado. Não há mais espaço nesse planeta para se viver isolado e distante do que nos deixa neuróticos e tensos.
Ninguém espera ser atraiçoado pela vida. Tolice, a vida não aceita pacto algum, pois disfarçamos mecanismos de coerção ou tentativas sutis em querer dominá-la. A vida é por vezes cruel e acaba por modificar a essência à sua revelia ao perder a paciência.
O eremita devaneia sempre de olhos abertos, imerso no silêncio da solidão, procurando aproximar o bruxulear da vela a sombrios recantos da alma humana, encorajando os despossuídos e carentes de significado. Nos leva a navegar na fantasia de não mais pensar no que ficou para trás, horas a fio entretido com o imediato do presente. Encaixado em uma época de busca universal sem paralelo, em que o convencional das religiões perdeu substância e a célula familiar desintegrou-se.
O eremita não precisa de lar, é uma pálida lembrança do passado, está pronto para renunciar à vida. O que causa medo. Desmotivado em reacender sua própria centelha, não espera solução mágica que venha dos céus. Sem a menor clareza de espírito, expõe as vísceras de sua falta de coragem moral, revelando o que acabrunha e desconsola em seu trajeto. A sangue-frio. A olho nu.
O eremita se desinteressou de sua própria luz interior, que guarda dentro de si um tesouro que ignorou ou deixou escapar. O leve sopro de respiração faz tremelicar a chama dessa luz, a sinalizar que o Espírito vive dentro de nós. Sopra onde quer, escuteis sua voz, embora não sabeis de onde venha nem para onde vai. É de ti, apenas de ti, que a espiritualidade ressurge, recria e prova que existe algo dentro desse corpo.
Deixe um comentário