Os gays avançam irreversivelmente sobre os domínios heteros e viram uma surpreendente página diante da sociedade que teima em não legitimar sua união e adoção de filhos. À intransigência, o fato consumado esbofeteia os apologistas da tradicional família, que vai mal, obrigado. E tapa de gay não dói, humilha. Por expor perante olhos que não querem enxergar casais se formando sem os cacoetes impostos pela tradição, família e propriedade. O modelo exemplar a ser transmitido para os herdeiros. Restando o campo moral e ético onde todos são todos e não chegam a somar, pois cada um livre-arbitra sua quitanda, sua horta, bar, cozinha e dormitório que formam os princípios de seu lar.
Não sujeitos aos ditames cobrados às famílias heteros, praticam com muita alegria um amor a descoberto de causar inveja a veteranos que dão trotes em calouros. O que faz os homens heteros pensarem com seus botões: de onde vem toda essa alegria?
O epicentro do terremoto gay está deixando para trás São Francisco e se deslocando para o Rio de Janeiro, atraindo ingleses e alemães, à frente no tempo e no espaço político, ao se assumirem. Praias e tempo ensolarado o ano todo correspondem a um oásis no deserto de idéias que vigora no planeta. O culto ao corpo enaltecido na Cidade Maravilhosa tem como alvo certo a sensualidade, podendo operar o milagre de transformar o feio no bonito. E quando se é feliz, se gasta mais, se materializa o prazer sem medir conseqüências, pois não precisam pensar em filhos nem netos, ou sustentar uma patroa que vagabundeie sem trabalhar ou uma amante que custe os olhos da cara.
Em se tratando de ser humano, ainda mais gay, o que há de mais importante é a aceitação. Compreensão seria pedir demais. Agora, encontrar uma receptividade que dê vazão à sua capacidade de amar, onde o sorriso estampa sua felicidade, que varreu a depressão originada na perseguição, aí é o paraíso. Desbancaram a fama da garota de Ipanema, colocando em foco a beleza masculina e matando de inveja as mulheres por não poderem aproveitar tanto pedaço de mau caminho.
Uma estética gay de se relacionar intimida homens e mulheres que se declaram normais. Quando Viagra bate recordes de vendagem a título de recuperar a potência e salvar casamentos do espetáculo do fim anunciado. Enquanto mulheres entram em pânico diante da retirada em desabalada correria das hostes machas, auto-indagando-se onde foi que erraram.
Se a traição sempre foi um leão deitado na cama do casal, uma erva daninha que apodrecia os frutos da árvore do amor, como podem os gays andar em bandos, soltando fagulhas de prazer, e não se deprimirem com a posse? A segunda instituição mais antiga do mundo depois da prostituição.
Orgia, calígulas reencarnados filosofam ejaculando. A ser verdade, é o que romeus e julietas mais desejam entre quatro paredes. Só a inveja para desviar o rio e discriminar os convictos dos não-convictos em margens opostas. Mas se é o prazer de admirar aquela criatura ao seu lado e cumulá-la de beijos o que nos reúne no mesmo conjunto, por que se deixar invadir pela tristeza, ressentimento e desdém de uma paixão com os canais trocados? Por que não fazer tal julgamento diante de um espelho que refletirá seus atos, suas raivas, impulsos, tendências, preferências irretorquíveis e reatividade? A memória é fraca, mas o espelho ajudará a reconstituir sua obra arquitetada em torno de seu sexo.
Orgulhosamente, os gays alardeiam que cruzaram o rio turbulento da existência para encontrar paz de espírito consigo mesmos. Quando a maioria sobe e desce ao longo do rio, permanecendo na mesma margem. Deixaram para trás o obscurantismo, abandonaram seu lar e foram em direção a uma vida de liberdade. Os primeiros se defrontaram com a solidão. Os seguintes, a alegria suprema, ao se libertarem de qualquer entrave que possa turvar a mente.
Gays, dispersos e disfarçados, rumo a um senso de unidade dentro de si e com o universo. Heteros, em dispersão de proles, clãs, patriarcados, heranças, do bom nome. De avalizar a vocação da família e da genética.