José do Patrocínio, conhecido abolicionista filho de padre com escrava, recriou como folhetim na “Gazeta da Tarde”, a partir de abril de 1884, o devastador terremoto de Lisboa ocorrido 120 anos antes, com uma notável precisão e riqueza de detalhes próprios de quem parece que assistiu ao terrível espetáculo, quando Deus deu a impressão de se enfurecer com o homem e sua insensatez justamente no feriado religioso do Dia de Todos os Santos em 1755, no horário matinal em que as igrejas estavam abarrotadas de fiéis. Entre seis minutos a duas horas e meia de tremores que alcançaram 9 graus na escala Ritcher, que provocou um incêndio que ardeu durante uma semana, mortes que variaram de 10 a 90 mil pessoas, destruição de 85% de Lisboa em palácios, igrejas, hospitais e armazéns, além de um tsunami que afogou quem procurava a zona portuária e assistia ao recuo das águas, revelando o fundo do mar cheio de navios afundados e de cargas perdidas, e que submergiu o porto e o centro da cidade. Nas palavras magistrais de Patrocínio, assim ficaram: “De segundo em segundo, quarteirões inteiros, desarraigados dos alicerces, cambaleavam como bêbados, desequilibravam-se e arremessavam no solo uma chuva de destroços e cadáveres. A poeira do desmoronamento adensou noite negra e pavorosa. A escuridão tonificou a catástrofe. O pânico desdobrou-se em alucinação”. A descrição do terremoto abre o romance “Pedro Espanhol”, que o torna uma relíquia com semelhantes termos e abordagens praticamente desconhecidas, que retorna às livrarias 130 anos depois de seu lançamento. Uma proeza histórica do espírito de José do Patrocínio.