Em outros tempos, o filhinho da mamãe se originava de família aristocrata. Quando não demonstrava um perfil de playboy, no futuro bon-vivant que simbolizaria o sucesso da linhagem, é porque não tinha envergadura. Nascera com complexo de inferioridade num meio onde todos são superiores. Ao merecer cuidados especiais, correspondia com a erudição enfatizada na sua formação, revestido de um ar pretensioso próprio de quem converge a inteligência para artimanhas. O tédio é seu companheiro inseparável, já que não há nada que se possa fazer para mudar o status a que foi condenado. Descrê de qualquer iniciativa, poria em risco sua situação estável, já que seu futuro depende da fortuna da família.
Nos tempos atuais, ele abraça a vida em todas as suas imperfeições. Se há algo de inevitável nos sofrimentos que a vida traz consigo, não lhe resta alternativa que não seja utilizar a memória desse sofrimento como impulso para recomeçar. Não importa se está fadado a cometer os mesmos erros, o essencial é não mudar jamais. Caso contrário, deixaria de se enquadrar no modelo de filhinho da mamãe e não faria jus aos privilégios que não estão à altura de nenhum príncipe herdeiro. Difícil abrir mão de privilégios, a corrupção se entranha de tal forma que desfigura o indivíduo conforme veio ao mundo.
A mãe do filhinho da mamãe geralmente se casa com um banana, tendo que compartilhar a gerência do problema com sua sogra, que chegou ao ponto de passar essa banana adiante, mesmo porque um dia ela vai morrer. A administração conjunta, embora conflituosa, vira calmaria quando o filho e neto nasce. A preocupação passa a ser a reprodução do modelo.
O filhinho da mamãe não abre mão do mesmo prato. Feijão com arroz e bife com batatas fritas, fumegando. Torna-se hóspede de sua própria casa, tendo tudo a tempo e a hora, para satisfazer o esquematismo que propaga em sua vida. O filhinho da mamãe até pode ser pobre, com a mãe tapando buraco para arranjar emprego, conseguir padrinho ou transformá-lo num estudante profissional. Sem maiores preocupações com o magistério. Tudo para ele não precisar se mexer. Pensa no futuro como algo distante. Torce o nariz para qualquer coisa, a crítica acima de apreciar o belo, orgulha-se de ser chato, acomodado em apertar daqui e dali para esticar o orçamento.
Um bom disfarce para se fingir de ativo numa sociedade competitiva é se encaixar no lugar de pseudo-intelectual, forjando atividades para não transparecer sua inadaptação ao mercado. Se acha uma inteligência rara, incensado pela mãe, não se fazendo de rogado em adjetivar a espécie humana com saraivadas de “burro”, “ignorante” ou “medíocre”. Quase sempre solitário e melancólico, incapaz de se relacionar com a sociedade e com o mundo ao seu redor, de tendência depressivas, se autodepreciando apenas para fazer ironia e mostrar estilo. Encontra uma maneira quase sempre delirante para fugir dessa realidade opressiva e conquistar a própria liberdade.
Se a História oficial é um embuste que necessita ser interpretada a partir dos bastidores, não há porque cobrar coerência a respeito de sua conduta com ares de dono da verdade. Não acredita em política, mesmo porque só vota em candidatos que jamais são eleitos. Para se eximir da responsabilidade e, assim, ganhar mais inimigos para enxovalhar. Adora desconstruir presidentes, já que todos lhe são intelectualmente inferiores, desde que sua mãe proclamou no berço “esse menino vai longe”.
Ao tomar consciência do mundo falso em que vive, se vê obrigado a escolher entre continuar sonhando e voltar à vida real. Decisão que já tomou.