Walter Wanderley foi um dos músicos brasileiros dos anos sessenta que maior sucesso alcançou nos Estados Unidos, com a deliciosa versão em órgão de “Samba de Verão”, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, chegando ao segundo lugar do hit parade norte-americano e vendendo mais de um milhão de discos.
Ed Lincoln foi o precursor do órgão como instrumento de ritmo brasileiro. Já Walter Wanderley reinventou o órgão com o seu suingue, que logo encantou a cantora paulista Isaurinha Garcia durante uma temporada realizada em Recife. De conversa em conversa, o pernambucano Walter Wanderley conseguiu fazer do seu órgão um instrumento de paixão, ele que era um instrumento duro de cintura, vinculado à igreja e fundo musical de missa para criar um ambiente propício à introspecção religiosa, buscar um contato com Deus, rezar e, se fosse o caso, confessar seus pecados.
Nem toda essa rara flexibilidade alcançada em sua carreira e hábil manejo do órgão ajudou-o a lidar com a considerada Edith Piaf brasileira, a despeito de terem formado uma dupla em que ela, com sua fama, deu projeção ao músico (ele só tocava), enquanto Walter Wanderley repaginou seu repertório com sambalanço e a atualizou, remoçando-a – Isaurinha era quase 10 anos mais velha.
Mas a relação sofreu abalos por cedo se manifestar a insegurança típica de um rapaz, no entorno dos 30 anos, em se relacionar com uma mulher mais experiente que, por sua vez, igualmente insegura, preocupava-se com sua aparência no futuro, quando, ao seu lado, iria rapidamente envelhecer, engordar e restar abandonada e sozinha. O casal acabou reproduzindo o modelo pugilato de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins dos anos quarenta e cinquenta, extravasando em tapas e beijos com direito a perdão de conhecimento público. O que fez Isaurinha Garcia regredir ao seu repertório antigo de dor de cotovelo:
“Não, não é possível viver assim desse jeito, chegando de madrugada, sujo de rouge e de pó, e me deixando em casa tão só. Parece incrível que você perdeu o respeito, não tem amor a mais nada. O meu consolo é o sorriso do Paulinho, quando pergunta: mamãe, onde andará meu paizinho? Então eu choro e você sabe por quê, nosso filho desconhece o que dizem de você!”.
Até que, em 1966, Walter Wanderley foi embora para os Estados Unidos e nunca mais voltou. Obteve reconhecimento internacional pelo trabalho realizado com a cantora Astrud Gilberto, consolidando sua carreira no meio jazzístico californiano. De vez em quando, ele ligava para ela, bêbado. Chegou a lhe enviar passagem aérea que, prontamente, ela rasgava, replicando: “E eu vou lá para tomar porrada?”.
Segundo seu neto e produtor de uma peça de teatro sobre sua vida, Isaurinha Garcia nunca mais deu um beijo na boca e, no instante em que lhe avisaram que Walter Wanderley falecera de câncer (em 1986), agarrou-se à sua geladeira e gritou: “Meu amor! Minha vida acabou!”.
Quem morre de câncer, tem desgosto pendente. Isaurinha levou sua viuvez para o túmulo, em 1993, aos 70 anos, com mais de 50 anos de carreira e mais de 300 músicas gravadas.
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