O imperador da China e suas concubinas. Variavam em torno de 20, 50, 100 por imperador, que importa o número? Como é que um homem podia dar conta de todas essas mulheres ao longo de sua vida útil? E quando ele desejava uma mais do que as outras? Aquela ali do canto. Sua preferida. Queria estar mais tempo com ela. Possuí-la de maneira especial. É amor? Afinal, todo imperador tem seu dia de Orfeu para resgatar sua Eurídice.
Então ela se tornaria a nova imperatriz, ou a favorita. E se mais tarde viesse a se apaixonar por outra? Sim, porque com tantas mulheres à sua disposição, de repente, ele acaba se apaixonando de novo. Questão considerada irrelevante para a época, visto que ainda hoje todos raciocinam de forma machista: “Com tantas beldades, você acha que ele vai amar alguém?”.
A exemplo do mundo globalizado de hoje, em que basta implicar com um jeito impertinente de falar ou um ser azedo, para se proceder à substituição de parceiros, evidenciando a liberação de costumes a que chegamos para iniciar e terminar relacionamentos. Descarta-se sem pudor.
Todavia, o poder de veto ainda não foi assimilado pelo homem, haja vista os ensandecidos conflitos entre os dois sexos que se generalizaram a partir daí na arena dos relacionamentos. Soltas as amarras, vem se pagando um preço alto pela permissividade. Ao se carregar demais nos temperos, o que era delicioso passou a ser intragável.
O mundo não anda mais, corre acelerado. Você tem de correr atrás. Atrás da terapia breve para resolver o quanto antes seus problemas existenciais. Tranqüilamente pode-se empurrar o louco para fora do hospício porque ele não se sentirá tão diferente dos outros. Em meio à disparada, nos esquecemos dos sentimentos. Dos laços frouxos que estabelecemos. De que abrimos mão de uma amizade de longa data por termos desaprendido a cultivá-la. O pacto nupcial, de sólido ao ar rarefeito. Não se admite opiniões contrárias à sua porque não se pode esperar o tempo necessário para saber “o que eu sinto por você”.
A prática avassaladora da ciranda do amor procria incontáveis relações trânsfugas. Parece que o homem é o centro dessa questão, mas a mulher se insere pouco a pouco. Quase não se conversa a respeito por se tratar de um tabu que ainda sobrevive à revolução sexual. Associar número elevado de parceiros a ser devasso e libertino é do tempo que sexo era tabu e educação sexual era matéria de competência dos pais.
O próprio vocabulário não ajuda muito a esclarecer os novos costumes, visto que, no popular, relação é associada preferencialmente a sexo, enquanto relacionamento mal consegue definir se é namoro, casamento em casas separadas, experiência conjugal, caso, amizade colorida, esposamante, dona flor e seus dois maridos, ou simplesmente ficar. Se uma relação durou três meses e os namorados dormiam juntos duas vezes por semana, era um exercício do direito de liberdade sexual ou já resvalou para a tentativa de construção de um relacionamento?
Como as convicções sobre o amor estão abaladas, às vezes faz-se necessário investigar se realmente você está interessado no parceiro e se a relação irá vingar. Nessas circunstâncias, você investe o seu afeto e avalia o que vai render dentro de um prazo de modo a não incorrer em perda de tempo. Caso contrário, o contrato estará automaticamente rescindido. A natureza frouxa desse relacionamento implica em que ambas as partes têm permissão para recorrer à infidelidade. A traição perde sua capital importância no resgate de compromissos, sustam-se cobranças no expurgo dos juros de dívidas afetivas.
Qual é o limite da permissividade das infidelidades? A alternância de companheiros deve preponderar sobre a incompatibilidade de gênios? Ou a tolerância deve conduzir à abertura do relacionamento, sem extingui-lo? Imbuído do propósito de apenas recolhê-lo ao estaleiro para reparos, recondicionando o motor para uma nova missão.
A posse e o autoritarismo fecharam impunemente um oceano de relacionamentos desde a criação do mundo, tornando precários os laços de ternura e aumentando a incidência de riscos em busca de um grande amor. A missão é retirar o amor da clandestinidade.