Rainer Rilke nasceu em 1875, em Praga, no então Império Austro-Húngaro, deslanchando em sua grandiosa obra poética quando se apaixona pela intelectual e escritora Lou Andréas-Salomé em 1897, que terminaria seus dias como psicanalista em 1937. Mas são suas cartas, de alta densidade filosófica, especialmente as escritas de 1903 a 1904, que revelam toda a riqueza de seu pensamento sempre gravitando em torno da criação artística e de suas consequências.
Cartas que investigam os motivos que o impelem a escrever estendendo suas raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confessando que morreria caso fosse impedido de se debruçar sobre a escrita. Posto assim, há que construir sua vida de acordo com tal necessidade, um sinal vivo desse impulso para criar um mundo em si mesmo e na natureza dos sentimentos e da alma. Tudo consiste em deixar amadurecer e germinar por completo dentro de si na escuridão do indizível e do inconsciente, aguardando com profunda humildade a hora do nascimento de um novo clamor, tanto na compreensão quanto na criação. Não há nenhuma medida de tempo para tal acontecer, mas só chega para os pacientes, como se a eternidade se encontrasse diante deles com toda a serenidade.
Viver e escrever, ambos umbilicalmente ligados no cio, apenas formas diversas de um mesmo anseio, que precisa permanecer sempre inconsciente, desprevenido de suas melhores virtudes, de modo a não remover a inocência e a integridade que os reveste.
Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas pois não estaria apto a vivenciá-las. Viva agora tão somente as perguntas. Passará, gradativamente e sem perceber quando vieram, a viver as respostas – eduque-se para isso! Embora seja difícil nossa incumbência, pois quase tudo que é sério custa nossa alma.
A volúpia corporal que nos é concedida constitui uma experiência infinita de que todos abusam e a desperdiçam, quando não se comportam levianamente, usando como distração para saciar a sede em vez de procurar elevar o espírito na conjunção da carne. Porque a continuidade de seu gozo tão indescritivelmente belo e rico provém de recordações herdadas da geração e da gestação de milhões de seres em que desponta a lei pela qual um espermatozoide forte e resistente se lança em direção ao óvulo, que vem receptivo ao seu encontro. A grande renovação do mundo talvez venha a se consistir no fato de que o homem e a mulher, libertados de todos os sentimentos equivocados e de todas as contrariedades, não se procurarão mais como adversários, mas unindo-se como seres humanos para simplesmente suportar juntos, com seriedade e paciência, a difícil sexualidade que foi atribuída a eles.
Sentir amor por uma pessoa talvez seja a tarefa mais árdua que nos foi dada, a mais extrema e que atrai provações de todos os calibres. Por isso, os jovens, em seu notório desgoverno ao se atirarem uns para cima dos outros tangidos pelo amor, precisam aprender a amar, sendo uma oportunidade sublime para amadurecer e tornar-se alguém. O tempo de aprendizado é sempre um longo período para também aprender a ser só, inerente a quem deseja a comunhão como meta para o amor, talvez não bastando uma encarnação para realizar o sonho. As exigências que o amor impõe ao nosso desenvolvimento são sobre-humanas e costumamos não estar à altura delas.
Se nos fosse possível ver além do alcance do saber e de nossa intuição, talvez suportássemos nossas tristezas com mais confiança do que nossas alegrias. São instantes em que algo de novo nos penetra ao mesmo tempo em que tudo em nós recua e encolhe ao ser retirado o que era confiável e habitual, surgindo uma quietude. E o novo, que ninguém conhece, é encontrado bem ali no meio, em silêncio.
Rilke pede para acreditar nele: a vida tem razão, em todos os casos.