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O INSATISFEITO

Quem procura algo profundo e particular na vida tem de experimentar, e muito, para encontrar.
Mas o insatisfeito projeta seus sonhos para além do horizonte azul, realidade que sabe de antemão que não alcançará, em virtude de não confiar em si. Segredo que não revela nem à sua mãe, pois não se acha capaz de reproduzir o exemplo do pai. A insatisfação está relacionada à falta de auto-estima e não ao tamanho do sonho. Daí usar de artifícios aparentemente inofensivos para se sobressair valendo-se de seu visual refinado, farta articulação e carisma. O que faz com que as mulheres se sintam atraídas por ele, baixando a guarda. Sem desconfiar de truques e disfarces engendrados para se inserir no jogo de interesses que alavanca o mundo. A astúcia travestida de uma cara dura quando opina sobre economia para ensinar como se ganha mais dinheiro, julgando-se um alto conselheiro da corte, ao votar pensando exclusivamente no bolso. Adora confrontar esperteza e ética, lançando cortinas de fumaça para torná-lo mais enigmático e facilitar a sondagem impiedosa de suas vítimas, dotado que é de uma necessidade voraz de relacionamentos.
Frustra-se no que se propusera a ser, com inúmeras lacunas não-preenchidas, devido à sua precaução realista – nem tudo que está na vitrine é para se comprar. Extremamente competitivo, o seu coração é sempre um campo de batalha intolerante com a fraqueza, inadmissível bater em retirada. Traz dentro de si uma ferida de algum problema emocional ou sexual para o qual não encontra solução. É o cerne de sua tendência autodestrutiva.
Mão-de-vaca, necessita de uma base familiar para se servir e não arriscar o patrimônio de miserabilidades que acumula. Apegado a um mundinho que constrói com mesquinharia, carrega o peso da frustração de não ter culhões para se acasalar quando encontra a mulher de sua vida. Não dá sopa pro azar, vai que ela descobre que sexo e amor estão ligados ao intenso desejo de viver uma experiência que ele nunca poderia proporcionar. O insatisfeito daria um tiro na cabeça se ela revelasse que ele é um vagabundo na alma, no desperdício de propósitos, na covardia do afeto e no orgulho narcísico. Como, por exemplo, se manter fiel, um grande ato de auto-sacrifício.
O ceticismo é o mentor do fracasso, pois só se consegue vencê-lo com muita espiritualidade. As regras para sobreviver nessa selva condicionam o insatisfeito a trilhar o mesmo caminho e enfileirar mulheres que lhe propiciam a chance de explodir de raiva e demonstrar seu ressentimento. Ela receberá em troca uma compreensão ímpar, pois ele lê pensamentos. Basta aprender a conviver absorvendo seu espírito vingativo nas contendas amorosas. Ganhará seu repúdio se desestabilizar sua necessidade de controle.
O grau de irrealização do insatisfeito é inominável. Não leva a cabo suas tarefas, afoga-se na luxúria, guarda a sete chaves o seu maior segredo: quanto à virilidade, que confunde com impotência em conquistar o que deseja. Tem horror a ser largado pela mulher ao descobrir que sua cultura de internet o tornou um incrível homem que encolheu. Sistematiza sua organicidade para cair de pé e aproxima-se da fronteira gay quando a insatisfação traz a reboque a apatia. Mas não reconhece, e mata quem ousar levantar dúvidas sobre sua preferência sexual – um homófobo, por excelência.
Para fugir dessa enrascada, abandona incontinenti a “galinhagem” e casa para formar família, se autoblindando. Para não ficar sujeito ao crepúsculo do macho se solteiro, enganando mulheres casadoiras graças à sua lábia e savoir-faire.
Heteros e gays sentem compaixão do insatisfeito, apesar dele não passar recibo escudado em sua inteligência raio X que não o impede de ser tornar uma ilha cercado de amigos que não minoram sua insatisfação crônica.

Antonio Carlos Gaio:
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