Temos uma boca e dois ouvidos, mas jamais nos comportamos à altura de um arsenal desse tope. É mais fácil falar, mesmo porque as palavras voam e se perdem. Ouvir é mais difícil, significa internalizar o que muitas vezes você não quer admitir. Imagine se tiver que assimilar.
Se ouvir fosse fácil, se falava melhor, não com tantos erros no expressar-se, muito embora a ênfase seja dada aos erros de português, quando o que importa é interpretar. Para melhor desempenho como ser humano. Para nos tirar do estado primata de tolerância em que nos encontramos: ainda se fala em como suportar a presença do outro, e não como aceitar o outro.
Há casos em que é melhor escrever do que falar. Para não ser mal-compreendido. Entrar mudo e sair calado dá o tom certo para não se meter em enrascada quando você diz o que sente.
Se você põe pra fora a sua verdade, fala com emoção correndo o risco de perder o controle ao não ser entendido. Posto que você fala sem critério, e se desprotege. Se fragiliza ao evidenciar seus flagelos. Chacoalha os sentimentos e abala o ouvinte, batendo em suas dificuldades. Que só vai ouvir o que pode ouvir, pois desencadeia questões mal-resolvidas que refletem no lugar que ele não suporta. A preponderância da emoção o embaraça e se converte num estorvo, obrigando-o a reagir para não expor seus pontos fracos.
É quando o ser humano mostra a sua face perversa. Para se fortalecer, é preciso prevalecer do ponto de vista moral, nem que tenha de manipular. É a lei da seleção natural de Darwin, o mais apto serve-se da razão para predominar sobre a emoção. Qual não fora sua porção animal para levar vantagem. Qual não seja o seu lado racional para sentir satisfação em dominar o próximo.
O manipulador se aproveita quando você está fora de si e desvela seu íntimo em impressões livres de sutilezas, a revelar num rasgo inconsciente que confia nele para poder passar a limpo suas fraquezas – a necessidade manda. Essa catarse acaba por maltratar sua pobre capacidade de expressar-se, ele tem que te machucar pra se vingar. No fundo, o manipulador sabe que é mais descontrolado e se encontra em posição de desvantagem. Precisa virar o jogo fazendo malabarismo com os pensamentos moralmente repulsivos que normalmente habitam a nossa consciência. Para abalar a ética daquele que não sabe se preservar e não consegue se amar o suficiente, senão as dúvidas não se voltariam contra ele como o punhal de Brutus. O objetivo do manipulador é desmontar essa cadeia de sentimentos que atira pra tudo quanto é lado.
Um duelo ao pôr-do-sol entre o puro e o cerebral.