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O OGRO

O ogro, para os padrões modernos, deixou de ser monstro para ser mais uma versão de sapo, malvisto pela sociedade porque é feio. Compensado pelo caráter bom e um coração de mãe, é obcecado por um desejo: possuir uma mulher bonita e mostrar para os outros que não é tão feio assim. Fama e dinheiro suportam o incomensurável esforço, arriscando-se a dar com os burros n’água, já que em matéria de beleza elas deitam e rolam. Pior, toda donzela tem um pai que é uma fera, a pretender chafurdar um nome que não merece respeito devido às origens – escritor é vagabundo, surfista é maconheiro, ator é michê e jogador de futebol é gentinha.
Do ponto de vista do sogro, os ogros se dividem nas seguintes categorias: mulherengo a caminho da recuperação, vagabundo que só quer se encostar na família para se dar bem, o vanguardista adepto do casamento aberto e do sexo livre, e o entrado na idade, o velhão que quer comer sua filha. Com tal conhecimento de causa da genealogia do homem, percebe-se que o sangue do ogro corre nas veias do sogro.
Como se fosse uma corrente pesada, o ogro arrastará o seguinte dilema para o resto da vida: se ela ficará com ele por conta de seu poder e carisma perante os outros, ou a carequinha lhe parecerá simpática, as fuças corresponderão à de um touro e a bocarra, que não consegue fechar em meio a tantos dentes, à de um lobo mau… que pega as criancinhas para fazer mingau. E se ela ficar, poderá lhe parecer feia no correr do tempo, já que desconfiará de sua aceitação e perderá o interesse. Feiúra e paranóia guardam uma relação íntima e, no fundo, o ogro jamais dormirá tranqüilo se a sua princesa passar a considerá-lo bonito. De imediato, seu encanto será quebrado e a equivalerá a outras mulheres que só viram nele uma escada ou trampolim. Durma-se com um barulho desses.
O ogro só funciona em estado de contemplação diante de sua amada. Capaz de remover montanhas. Corrigir a feiúra lapidando a matéria bruta, em busca do veio perdido da beleza nos cafundós de seu interior. Ao só ter olhos para ela, investe-se de uma coragem que o torna surdo a comentários de invejosos, na medida certa do cavaleiro galante restaurar sua imagem e conquistar uma aura de impor respeito. A ponto de servir de exemplo: se ele pode, eu também posso!
Se chove ogro por toda parte, não cabe distinguir o ogro da gênese de outros homens que não se consideram monstros. Continuarão, firme e forte, na caça e pesca de mulheres, acumulando troféus a ponto de pendurar na parede a cabeça da que lhe proporcionou o maior orgulho. Proeza digna de repassar a seus descendentes, confortavelmente instalados na posição de não olhar para dentro de si – o espelho é uma aberração.
Dando margem a ingressar na terceira idade, do alto de sua obesidade a zelar pelo culto do corpo nas mulheres, na esperança de que seu ego seja adulado por balzaquianas, cujas escolhas requerem a maturidade do pai-avô para seus futuros filhos. Extremamente pretensioso, há que manter a todo custo a posição de grande conquistador, se mostrar vitorioso, competir consigo mesmo o tempo todo, senão a vida não tem graça. Se o tempo não pára – danem-se os fatos! -, ele passa a competir com o tempo. Mesmo que seus derradeiros dias estejam próximos e prorroguem-se por 20 anos.
Se o cabelo branco não engana mais como grisalho, pintam-no. Ao começarem a andar na contramão e a matarem na raiz toda ação correspondente a uma reação, se tornam, de tão deslumbrados com seu futuro, babões. Como um bebê que baba extasiado diante do espetáculo da vida. Nervoso para continuar em ação e penetrar em florestas que não explorou com uma visão de águia e sim com uma avidez de felino. Somente para saciar sua fome.
Melhor seria o ogro entrado nas rugas esquecer o sexo e o Viagra para dançar e cantar numa grande brincadeira de salão. Se preparar para o verdadeiro baile e se despreocupar com o desempenho, de correr atrás de quem desdenha só para vê-la debaixo do seu pé. E não cair na esparrela de se sentir satisfeito com migalhas que só irão lhe roubar sua alma e desencaminhá-la para algum escaninho do arquivo morto, onde lá ficará esquecida até merecer as bênçãos. E se recuperar de uma grande viagem desperdiçada na decadência – risco do qual ninguém se acautela.

Antonio Carlos Gaio:
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