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O PAPA-ANJO

Embora papa-anjo esteja hoje em dia associado à pedofilia, originalmente tratava-se de um homem mais velho à cata de garotas recém-saídas da adolescência. Na pureza do anjo, ela era envolvida pela malícia do homem maduro; não captava sua maldade. Ele dava voltas e ia enredando-a na sua teia.
Algumas mulheres prestes a entregarem os pontos no mercado do amor referem-se à sua antiga paixão como um renitente papa-anjo. Capaz de lhe propiciar uma noite de amor à luz de velas – o passado redivivo -, e não restar luz ao amanhecer que inspire um mínimo de compromisso a tamanha sexualidade.
A figura do papa-anjo era associada à idade de inocência da mulher e à manipulação de sua sexualidade. Desde que as feministas queimaram os sutiãs no grito de independência, as mulheres se lançaram numa espécie de vendeta, abreviando o fim do papa-anjo.
Por consumir a vida papando tudo quanto era tipo de anjo, ele não conseguiu se casar nem construir uma relação com uma mulher. Nunca lhe parecia que iriam satisfazê-lo a ponto de não necessitar procurar em outra o que não consegue encontrar nessa.
Graças a Deus seu pai morreu legando sua mãe para cuidar dele, da casa, da roupa que veste, do alimento que ingere, para não ter que pensar em nada quando limpar os pés na soleira da porta.
Só há que evitar o incesto em virtude do cordão umbilical impedi-lo de respirar outras pastagens. Apelando para o recurso batido da casa grande e senzala, valendo-se de uma segunda serviçal, a que já ocupa o quarto de empregada. Novinha, jeitosa, com segundo grau completo, o que garante um bom acordo debaixo dos panos para inseri-la na família, desde que a nora dê à matriarca um herdeiro, assegurando a continuidade do nicho. Bastou fechar os olhos para o sangue miscigenado.
Para o papa-anjo não se sentir enganado com a gravidez, a empregada se esmerou como uma puta a fim de lhe propiciar o remanso da luxúria, o fogo cruzado da orgia e o caos da libertinagem, mandando para o espaço cautela e métodos que abortam a esperança no futuro. De tal forma que deu a impressão de amor e abalou as convicções do papa-anjo ao enxergar no fruto algo que jurava não desejar sob hipótese alguma. Mesmo porque não o considerava como seu, pertencia a elas, as mulheres, a responsabilidade de criá-lo. O que não o impediria de se alegrar à distância, sem se comprometer com rompantes emocionais ou pieguice que o tatibitate infantil provoca.
Tomasi di Lampedusa, autor de “O Leopardo”, afirmou que é preciso mudar para que as coisas permaneçam como estão. Mas um filho dá a ilusão de que o ciclo biológico do papa-anjo será quebrado. Afinal de contas, nunca se sabe com que missão uma criança nasce; transitaria do berço do quarto de empregada para ganhar um quarto ao lado da avó, encolhendo o espaço do papa-anjo no hotel no qual transformou sua casa.
O pecado de papar tantos anjos acaba por reduzir seu frescor juvenil e acelera sua impotência. No vazio de seu conteúdo agora corre um rio de frustrações que arrasta coisas velhas, descartáveis e repugnantes.

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Antonio Carlos Gaio
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