O predador tem como hábito transformar a mulher por quem acaba de se apaixonar em sua esposa, em período de carência que varia de três a seis meses, apresentando-a a seus filhos, a seu pai – compreensivo com suas trapalhadas -, e à horda de amigos que freqüentam a boemia. Solidários, todos brindam à sua presença, a cercam de atenções fazendo crer que é especial, única e irá ter vida longa. O predador a insere na vida dele por completo. Ela passa a conjugar o verbo na primeira pessoa do plural, dando a nítida impressão às suas amigas que irá se casar ou viver junto, tanto faz.
Ao acordar de uma esbórnia que varou suas faculdades mentais, deu na telha e pôs fim no futuro promissor que o estava abalando emocionalmente, a ponto de gerar apuros na capacidade de se exprimir, esbugalhando seus olhos de peixe morto e retesando o queixo em cacoete, mal podendo falar com aquela mulher, ali do seu lado, agora uma estranha. Fim de caso, é fim de noite, o amor se acabou.
O predador é burocrata, nasceu da vida em grande família e necessita renegá-la. Mas alguma voz o comanda para agir segundo as tradições, procura nadar contra a correnteza, pode-se dizer que não tem culpa de seus atos, assim ele acredita.
Por ser um deficiente inconsciente, dá vazão à ação predatória ao se afastar de um amor que pode extinguir o medo de ser feliz. Ao jogá-la fora, mantém-se incólume e a deixa triste com a negligência à fé sedimentada. Magoada com a crença no afeto depositado. Infeliz com o afeto desperdiçado em quem ela resolveu botar fé. Incondicionalmente. Pior que ser trocada por outra, é banalizar o afeto e negar a energia que move a vida e alimenta a alma.
Tripudiar sobre o afeto, embrião do amor, equivale à perversão no nível de pedofilia, pois que engana a boa-fé ao renegar a possibilidade de amar, o ato de devoção ao afeto. Uma bomba de efeito retardado, a dificuldade do homem residir na entrega.
O predador atribui ao outro o motivo de se sentir sufocado. Nunca confessa que é ele quem não está dando conta de si na relação. A mulher é sempre a desequilibrada em nome do amor, o homem trata apenas de pôr as coisas em ordem, a primazia do ser racional lhe pertence na cadeia sucessória. Para entregá-la, terão que passar por cima do seu cadáver.
Na cadeia ecológica, a presença do predador não é novidade, necessário ao equilíbrio. Quando o homem se comporta como irracional ao ofender o amor de forma tão antinatural, ascende o primitivo dentro de si, por trazer na essência a herança que confirma o conflito. O predador sobrepuja o racional, de que tanto o homem se orgulha e não é, porque tem o poder de abstrair-se de problemas para não ter que resolvê-los. E pouco se utilizar da riqueza da palavra, o privilégio da espécie – a leviandade como meio de defesa, já que a palavra falada entrega o ouro.
A comunidade científica ainda não se definiu sobre o predador. Se é amador ao praticar o esporte sem interesse pecuniário, se dedicando à arte de pilhar as mulheres por puro diletantismo, ou no exercício lúdico de satisfazer sua curiosidade. Ou se pratica a rapina como um autêntico profissional, a fim de obter a energia vital para manter-se vivo. Perdido, não se satisfaz na exata medida de quem procura prazer em relações multifacetadas que só sinalizam a sua incapacidade de não saber o que fazer com seu sexo.
Justifica sua inação alegando privação de sentidos, eufemismo de pusilanimidade. O que insulta sua reputada inteligência. É a fobia da ojeriza a compromissos.
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