Parece anúncio de jornal. Mulher com vocação pra amor bandido necessita de uma boa alma para livrá-la do vício pelo mau caráter.
Aquela mulher jamais procuraria, em condições normais de temperatura e pressão, um sujeito careta. Ela era linda e drogada, mas a caminho da recuperação, o que equivale a dizer, uma xiita no caminho do bem. O que facilitou encontrar um pau pra toda obra, pessoa correta e inexpressiva, desinteressante mas bom amigo, que mantinha oculto o pior segredo dentre os homens: incapaz de despertar amor numa mulher quanto mais uma fugaz paixão, sequer a luxúria.
Somente prestando serviços atrairia aquela mulher que, àquela altura, já tinha entregue os pontos, desistira de encontrar felicidade no amor.
E assim se acumpliciaram. Nesta modalidade incatalogável de relacionamento. Cada um amparando ao outro para que não ruíssem. Com uma visível diferença, ele amando aquela condessa descalça de crenças e projetos na medida que prestava mais e mais serviços à causa dela.
Enquanto ela ia começando a nutrir-se de uma outra dependência, magnificamente bem explorada por ele ao se disponibilizar para o pronto atendimento às demandas familiares, especialmente as esquizóides que se insinuam no nosso dia-a-dia sem que as notemos.
Crescia a olhos vistos o seu embevecimento a cada serviço prestado, a ponto de misturar as mães na ceia de Natal, um sinal claro de compromisso que suavizaria as restrições da sogra:
“Minha filha, case-se com esse homem. Ele pode não ser nada daquilo com que sonhava, mas ele só quer o seu bem, atento aos mínimos detalhes, disposto a cuidar de você, esse é um bom caráter”.
Só faltou dizer que era trabalhador, mas não vinha ao caso.
Com que prazer admirava sua classe e elegância realçando ambientes que a transpunham de uma mera pessoa física para um empreendimento empresarial! A seu lado, ele elevava sua auto-estima e se cobria de orgulho, o amor é tão lindo quando a musa canta e anuncia que orgasmos estão ao alcance de qualquer vaidade.
Com que satisfação se anulava e colocava-se à disposição para ouvir suas intempéries e entrechoques no contexto de uma família que um não tinha nada a ver com outro, unidades de uma célula que não somavam, ao contrário, estranhos postos no mesmo ninho. E o prestador de serviços de ouvidor-geral, com os braços cruzados, ao invés de investigar o âmago de laços tão esquizofrênicos.
Para quem anda a passos de cágado no rumo da hibernação, distanciando-se dos primaveris anos, não surpreende vê-lo escoar o tempo e se deixar gastar na inutilidade de ações supostamente filantrópicas. Que esperar de um sujeito que fila jornal de assinatura da porta do vizinho para se manter atualizado a custo zero?
O prestador é uma central de atendimento e tarefeiro, por excelência. Localiza endereços, a melhor rota no trânsito, indica médicos, especialistas e instrutores de toda ordem, a receita culinária dos sonhos, o barato dos preços, o produto de acordo com o consumidor, onde encontrar a pessoa certa no lugar adequado, na conveniência de seu tamanho, até chegar no ícone: tudo o que deseja saber sobre carros.
Não seria absurdo afirmar que o prestador de serviços goza do ócio da assexualidade. Já transcendeu a necessidade da penetração, a masturbação como recurso não mais funciona, esfumaçado o fascínio, e a abordagem perdeu o caráter agressivo da conquista. Renunciou aos votos de ser másculo e preferiu a clandestinidade do anódino, neutro e sensabor.
Finge que interage com a vida, mas absolutamente se interessa em se atender. Atender, somente a ela, representa o seu céu, a liberdade que se permite desfrutar. O tiro de canhão só ela pode disparar. No máximo, é um soldado a prestar continência a um comando que reverta a mesmice de sua existência a um tintim de reveillon, ao fragor de festas, de bandas que clonam o som de outrora, de DJ’s que se transformaram em gurus da materialização de seus sonhos, mesmo que isso não seja verdade, pois sonhos representam desejos do que absolutamente você precisa para viver feliz, muito feliz.
O prestador de serviços necessita que o socorram, de uma mão que o impeça de afogar-se na amargura, ao perder o prumo descobriu-se filho de Deus. Merece outra chance, nem que implique em passar a borracha no legado do homem.
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