O samba fez 100 anos no dia 27 de novembro de 1916 quando Donga registrou “Pelo telefone” na Biblioteca Nacional, resultado de uma criação coletiva numa roda de ritmos da época no terreiro da Tia Ciata, que tinha vindo da Bahia. De fato, o samba começou a ser parido nos porões dos navios negreiros, prosseguindo nas senzalas, passando pelo batuque e maxixe, embalado pelos cânticos dos orixás e pelos atabaques. A presença dos bantos provenientes da África centro-ocidental (Congo e Angola), majoritários no Brasil escravista e os mais impactantes na formação da nacionalidade brasileira, contribuiu para a propagação do samba, que foi ganhando uma versão sincopada no Estácio com Ismael Silva, a partir dos anos 1920. Exclusivamente feito por negros como Donga, Pixinguinha e João da Baiana, o samba fica mulato ao aceitar adesões e influências, quando atenua a rítmica macumba que caracterizava os tambores centro-africanos. A maior obra e vigorosa invenção cultural do Rio de Janeiro teve a preciosa participação da velha malandragem, pequenos trambiqueiros, babalorixás, jogadores de ronda, dos que disputavam mulheres de péssima reputação no conceito da sociedade, enfim, dos profissionais da viração. Para chegar no asfalto e na classe média com Noel Rosa nos anos 1930 e não mais ser perseguido pela polícia. Suficientemente amaciado para a indústria fonográfica e para o Estado, partindo de uma identidade construída no contexto da mestiçagem cordial, ora levando porrada de conservadores sem um vintém, ora recebendo afago de seus crescentes admiradores, ora confrontando os fiéis do americanismo, ora negociando sua inserção no espaço chamado civilizado, ora se adequando ao meio que sempre lhe foi hostil. Esse processo todo se chama de resistência, não porque resiste e se rebela, e sim porque conquista sua autoestima. Lição que serve para todas as lutas em torno da independência e de se libertar da servidão.