O baiano João Gilberto apareceu dando um sentido mais profundo à percepção das artes em qualquer estágio (Caetano Veloso). Há quem o considere até maior que Tom Jobim por ser o mestre influenciador de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, toda essa geração. Ou Tom Jobim, João Gilberto e Vinicius de Moraes revolucionaram a música popular brasileira (Francis Hime). Importantíssimo para o Brasil e para o mundo (Gal Costa). Durante os seis meses em que morou com sua irmã em Diamantina, antes de 1957, não saiu de casa, pouco falou, dia e noite abraçado ao violão em busca de ritmos e harmonias que acabariam dando forma definitiva à Bossa Nova. Foi quando chegou à característica batida de violão que identifica de pronto a Bossa Nova. Ao timbre de voz e violão, uma só entidade se formou. Aos 26 anos, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores, segundo Jobim, ao criar a Bossa Nova e fazendo seguidores, com sua marca inconfundível de um banquinho e violão, de terno e gravata, e solitário. Criando toda uma mitificação, somada ao silêncio, que prezava muito. Lendas em torno de João Gilberto foram sendo alimentadas pela curiosidade que seu isolamento despertava: a) sobre sua sensibilidade auditiva quase sobre-humana, que fazia seus ouvidos captarem sons que ninguém mais ouve; b) “O Pato” levou seu gato a se suicidar, atirando-se da janela de tanto ouvir João Gilberto cantar o pato, buscando a perfeição. Seu perfeccionismo sempre o fazia reclamar do ar-condicionado e da plateia de seus shows. Seus discos mais impactantes foram Chega de saudade (1959) com “Chega de saudade”, “Desafinado”, “Aos pés da Santa Cruz”; “O amor, o sorriso e a flor” (1960) com “Samba de uma nota só”, “Meditação”, “Corcovado”; “Bossa Nova” (1961) com “Insensatez”, “O amor em paz”, “Este seu olhar”, “Coisa mais linda”, “O barquinho”, “A primeira vez”, onde conversa com Jobim, Carlos Lyra, Menescal, Bôscoli, Caymmi, Geraldo Pereira, Bide, Marçal; “Getz / Gilberto” (1964), tocando com Jobim, Stan Getz e Astrud cantando “Garota de Ipanema”, que começou a ganhar o mundo. João Gilberto viveu seus últimos anos com sua saúde minada pela disputa travada em público por sua filha e cantora Bebel Gilberto, do casamento com Miúcha, seu primogênito João Marcelo, do casamento com Astrud Gilberto, que depois se tornou Astrud Getz, e sua última mulher Claudia Faissol, que lhe deu a hoje adolescente Luisa Carolina. Por conta de direitos autorais que lhe são devidos e de dívidas e processos judiciais, até perder a autonomia sobre o controle de seus gastos. A morte de Miúcha, falecida em dezembro de 2018, com sua sensibilidade, cultura e inteligência, abalou sua alma já combalida. Ele se foi nos deixando a indagação: por que tamanhas genialidades costumam se despedir da vida imersas em dramas horrendos que sufocam o seu talento, quando não as emudecem?
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