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O SILÊNCIO QUE MALTRATA

Continuam a descobrir restos mortais de animais pré-históricos, dinossauros de andares de altura se moviam lentamente na Patagônia há 80 milhões de anos, em área alagada e empoçada, com muita vegetação, hoje, um deserto.
Reduziram-lhes a sua grandeza por força de um meteoro que os extinguira e mudou a face do planeta Terra, tirando as amarras dos continentes que se mexeram e se desgarraram uns dos outros, sobrevindo uma era de inocência e boa aventurança em que nossos assemelhados, dito ancestrais, eram uma mistura de humanóide com animal, numa tentativa de coabitar em regime de primavera perpétua onde não se precisava lavrar ou colher. A terra produzia todo o necessário, fluíam leite e vinho nos leitos dos rios e escorria mel dos carvalhos.
Por essa época, inexistia a individualidade, não havia a menor condição de sentir medo pelo que era, você se via através do outro. Em função da inveja, despeito e vingança começarem a ameaçar a convivência, foi necessária a seleção natural para o mal não nos tornar inteiramente desgraçados, propiciando o surgimento de uma nova raça cuja missão seria descobrir Deus, onde quer que Ele se manifestasse.
Houve um corte salomônico, separando-se os que erguem a cabeça para o Céu e encontram esperança nas estrelas, dos que têm a face voltada para baixo, olhando a terra, que, de tão acabrunhados, involuíram, encolhendo o pensar e apurando o olfato para sobreviver.
O humano se concretizou no ser, que ganhou alma e principiou a se defender através de seu conjunto formado toscamente – identificado como sua tribo, a partir de então. Ser temido ou ser submetido era o que em carne e osso confirmava que nós passamos a existir.
Demorou um bocado para a sapiência dos gregos aterrissar e valorizar o homem como centro do universo, o conhecimento extraído da razão, tendo como paradigma os heróis, descendentes dos deuses, que tinham características humanas e filhos com os mortais. A tendência ao idealismo em busca da perfeição, com ênfase na vida, em oposição à visão de mundo dos egípcios, vinculados à idéia da morte, em busca do eterno através do espírito. 
Dois mil anos depois, a Terra era redonda e girava no processo civilizatório que poscedeu o confisco das terras dos nativos pelo descobridor invasor e engoliu reis e czares que colonizaram, escravizaram e espoliaram, no rumo de organizar a sociedade de modo a todos serem ouvidos.
Eis que surge a solidão, por conta do silêncio que atinge, maltrata e fere porque insinua a indiferença que faz crescer a cara de desprezo que açoita os inúmeros calcanhares-de-aquiles que colecionamos para ensinar cuidado com o andor que o santo é de barro. São santos de pau oco que despem um santo para cobrir outro no maior silêncio. Quando precisamos achar alguém com quem conversar, um par em que comiche a curiosidade de saber o que se passa na sua imaginação e o que rola de verdade na minha.
Por mais que você mantenha seu silêncio e, em conseqüência, desenhe um círculo de giz que eu não posso ultrapassar, é impossível dissociar-nos, tornarmo-nos estranhos, pois falar-nos-emos em outro plano um dia. Apenas prejudica o transcurso da viagem espiritual, quando devemos buscar uma vida com significado. Com chance, acharemos algo que nos acende por dentro, que aquece nosso coração. O fundamental é a experiência de que a vida é muito mais rica do que o desenrolar do cotidiano atribulado entre necessidades e afazeres. Se você perdeu a noção do absurdo quanto mais olha este mundo e a própria humanidade, é porque ainda não fez o que pensa ter feito, não é um cara para ser levado a sério, como apregoa sê-lo, perseguido pela má sorte e maquinações de gente malvada, como acredita que seja. As más línguas diriam que saiu do sério porque não consegue mais ser totalmente sério, embora se magoe e rompa as relações com quem tiver a audácia de revelar que deixou de ser verdadeiro. Vai entender que não age mais com honradez e perdeu seu valor. Pelo singelo motivo de que não é mais feliz.
Nessa hora, o corpo tirita de frio e de medo de tanto querer, de poder voltar ao convívio dos seus, mas não acha mais ninguém. Ou se domina o próprio destino ou é o destino que o domina. Ou se imola em paixões fugidias ou foge como o diabo da cruz e volta a si. Ou se concentra em matéria de amor ou fica sem saber o que amar. Ou se assume os riscos do seu destino, a base do que vier a empreender, ou não se distingue dos outros. Ou silencia de vez e mergulha no silêncio dos inocentes.

Antonio Carlos Gaio:
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