É preciso retirar o suicídio da lista de tabus para debatê-lo sem medo e com profundidade. Ao sepultar o suicida sem submetê-lo à autópsia para não se imiscuir muito na causa mortis. Hoje rapidamente se providencia a cremação para não vir à tona se havia algum problema de saúde insanável. De que adianta investigar os motivos que levaram o suicida a se retirar da vida se ele já está morto e não cabe à justiça terrena julgá-lo? Nem procurar um defensor que justifique o gesto dos que entregaram os pontos e perderam essa grande oportunidade que é viver, geralmente escondendo seus propósitos para ter desistido. Raros são os que anunciam com antecedência, tamanha a convulsão em seu estado de espírito.
Alguns vão deixando pegadas à medida que se aproximam de seu destino irreversível, como Walmor Chagas, quando se refugiou num sítio a 60 km de Guaratinguetá. Não gostava de depender de ninguém. Manifestou o desejo de partir mais cedo se o seu estado de saúde se mostrasse precário. Não queria dar trabalho a quem quer que seja. Hipertenso, foi perdendo o gosto por comer e emagrecendo sensivelmente em pouco tempo, alegando problemas no estômago que dificultavam a alimentação. Reclamando da catarata que o impedia de ler – sua grande paixão. Nada que não pudesse tratar ou ser mais comedido na escolha do cardápio. Dizia que só pode ser louco quem acha que a velhice é a melhor idade; depois dos 80, a véspera está próxima. Ao recentemente escrever a peça “O homem indignado”, o personagem se suicida com uma espingarda.
Walmor Chagas se suicidou aos 82 anos com um tiro de revólver na cabeça. Preferiu morrer antes a ser homenageado com o maior prêmio do teatro pelo conjunto da obra ao longo de 64 anos. Um ator que fazia qualquer papel pequeno parecer grande. De ironia fina, culto, inteligente, o homem indignado era o tamanho de seu caráter.
O homem que desde cedo se desvinculou de Deus, tinha no teatro sua religião. Era nos palcos o terreiro em que seu santo baixava. Preferiu sair de cena consumido por um fastio da mediocridade geral que campeia aqui e acolá, vítima da superficialidade televisiva que invade o teatro brasileiro, o que tirou seu espaço da cenografia clássica e ajudou a ceifar sua vida. Não aceitou o tempo rodar e lhe apresentar outra realidade. Autoritariamente querendo impor seu ponto de vista intelectual a respeito de nossa existência, embora sabedor de que não há acordo com a Morte.
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