X

O SUICÍDIO DO GRANDE POETA ANTÔNIO CÍCERO

Suicidar-se por não aceitar o mal de Alzheimer que o consumirá e o degradará. O que fazer? Se submeter ao carma ou se rebelar, recusando-se a encarar tamanho holocausto? O suicídio é o maior problema do ser humano. O maior pecado por interromper abruptamente sua existência, como se tivesse sido abortado no sentido contrário. Por isso mesmo, um assunto tabu, muito malvisto e constrangedor para todos aqueles que não se suicidaram ou não conseguiram ou não querem se suicidar. Antônio Cícero, o grande poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras, com 300 letras escritas para músicas, muitas delas valorizadas pela estupenda cantora e sua irmã Marina, escolheu, aos 79 anos, passar por um procedimento de suicídio assistido na Suíça, ao lado do seu marido, o figurinista Marcelo Pies. A causa do suicídio foi o mal de Alzheimer, que já o estava impedindo de construir poemas e ler livros à exaustão. Antônio Cícero não queria perder sua identidade nem deixar de reconhecer seus amigos. Tanto a eutanásia, como o suicídio assistido, são práticas que envolvem o ato voluntário de morrer sem dor e com assistência médica. No Brasil, ambas as alternativas são proibidas e consideradas crime. Essencialmente, o que distingue a eutanásia do suicídio assistido é a pessoa que administra a droga letal. No caso da eutanásia, o médico prescreve, mas é também quem aplica a substância que induz o paciente à morte. Já no suicídio assistido, o médico faz a prescrição, porém apenas o próprio paciente pode autoadministrar a droga. Indiscutivelmente, Antônio Cícero enfrentou a morte com destemor lá na Suíça mas, por outro lado, recusou-se a aceitar as condições impostas pelo mal de Alzheimer à sua existência. Ao seu juízo, iria se apequenar e desvirtuar suas condições de vida e seu talento inegável. Conforme esclareceu em carta de despedida, é ateu desde a adolescência e que “tem consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo”, arrogando-se o direito de dar o destino que bem entender à sua vida sem dar satisfação a ninguém. Lutou tanto para ingressar na Academia Brasileira de Letras na sequência de uma carreira brilhante, que deve ter se achado injustiçado, por não merecer um destino tão infeliz, quando não mais se reconheceria, muito menos como poeta e imortal. Pior será se vier a descobrir que tudo aquilo que não acreditava desde garoto, não corresponde à verdade dos fatos, e de que há justiça de fato, mas não lhe sendo mais permitido retornar a essa encarnação, devido à irreversibilidade da morte. O arrependimento tardio e o choro convulso que se lhe segue não alcançarão nossos ouvidos.

Categories: Croniquetas
Antonio Carlos Gaio:
Related Post

Este site usa cookies.