Para quem acredita que o espírito não morre. Tutelando, protegendo, guiando e assistindo essa imensa população que, quando acorda, carece de orientação, perdida no emaranhado de sonhos que se tornam pesadelos. Parecemos uma grande estufa, constituída de plantas frágeis necessitadas de serem regadas, podadas, adubadas e de levar um papo ao pé do ouvido. A fragilidade é tamanha que exige uma operosa jardinagem, mal contendo segredos, recados passados e impressões que exigem um despojamento de todas as convenções para captá-los na exata extensão do conteúdo. Mais não conseguimos por sermos corações alados embrulhados nos velhos mantos da ilusão. Por isso, giramos à mercê de meias-verdades, subestimando as conseqüências dos terríveis enganos a que submetemos o próprio coração. A cada passo dado, se respira para recuperar o fôlego.
Como se bastasse nascer em berço esplêndido para conquistar títulos sem maiores dificuldades. E nunca avaliar a generosidade e sacrifícios feitos em seu favor, retendo esposa e filhos nas malhas do egoísmo, e assim organizar o lar infenso a qualquer intruso que traga inquietação. Aferrado a uma situação estável que garanta a tranqüilidade econômica de sua família, colhe as bênçãos da vida e goza-lhe os bens. Mas eis que o castelo do exclusivismo balança, balança, mas não cai. Começa a sentir um vazio, arranhado por espinhos de tédio, ao abandono de suas criações caprichosas, em nada retribuindo nem contribuindo. Uma sensação de tempo perdido lhe invade e obscurece sua trajetória. Imaginemos se, nesse exato momento, a existência se dissipa e você se despede com a silenciosa acusação da consciência, despreparado para ouvir verdades que não toleraria em vida, num rio cuja correnteza é movida por mágoas improcedentes. O aprendiz à procura da mãe para queixar-se, choroso, de suas dores.
Eis que então portas cerradas se abrem, revelando vida e trabalho, continuidade e justiça onde imperavam dúvidas e suposições. Como na cabeça do marido que não aceita que sua mulher o abandonou e se completou com outro. Como na cabeça dos pais que não aceitam o desaparecimento precoce do filho. Como na cabeça do filho macerando as saudades dos pais cuja lembrança restou nas fotos. É nesse cenário que temos tudo para vencer o orgulho e egoísmo. Quando pensamos em não ter mais nada, não vislumbramos futuro, aí encontramos o melhor presente.
A realidade é captada pela percepção dividida em dois hemisférios cerebrais. O esquerdo nos permite ter a visão do mundo físico, imposto pelas leis da matéria, através da ciência e a nos conduzir pela razão. O direito, o mundo imaterial, invisível, fora do tempo e do espaço, por entre tudo e a tudo interligando.
Portanto, não se concebe os mistérios da vida passando como um filme, apenas a exigir que se quebre a cabeça para decifrá-los, e simplificá-los com um “não acredito” ou “não faz sentido”. Francamente, espera-se mais de cabeças privilegiadas e mentes brilhantes, opiniólogos de estirpe, que se manifestem agora ou que se calem para todo o sempre, pois se trata de familiarizar mais com as coisas do espírito. Não são coisas do outro mundo, são daqui também. Pois se amor e ódio guardam um vínculo estreito, o que não dizer de vida e morte? Como a espiritualidade, que por si só se explica.
Já era o papo de a morte mandar aviso, com tanta bala perdida zunindo e homens e mulheres-bomba se encarregando de diminuir a população. Minorias, que são maioria, descobriram como transformar em inferno a existência da maioria, que é minoria de fato. Essa é a senha para o século XXI.
Praças de guerra surgem todos os dias, pois dia chegará em que senhores da guerra, eleitos pelo povo clamando segurança, se sentarão à mesa de negociações com os terroristas em nome da salvação do planeta. Senão, aumentar-se-á o risco em exponencial de nos despedirmos dessa para uma melhor. E o que é pior, sem entender nada do que aconteceu quando atravessarmos o portal.
Por que eu? Por que tão cedo? Que fiz para merecer tão pronto regresso? Raciocínio linear e finito de quem ama tanto a vida e não quer se mandar desse espetáculo. Sem abrir mão de nada, sem dar a mão à palmatória, sempre achando que seu gênio tem de prevalecer, desperdiçando chance em cima de chance para descobrir tardiamente que deixou escorrer por entre os dedos amizades e amores que consumiram seu tempo útil e nada tinham a ver com seu espírito.
Espírito esse que nos habita, louco para que acreditem nele, e almeja trazer luz ao “conhece-te a ti mesmo”, conforme previra Sócrates. Mas a razão, burra, obsta enquanto ainda não o entende, o configura e desenha sua imagem. Patinando, escorregando, perdendo a espinha dorsal e desorganizando as funções fisiológicas, que se deterioram não somente pelo excesso de uso, mas pelo desgaste mental no acúmulo de descaminhos e desilusões.
Por vezes, o espírito não suporta tamanho desvario com sua potencialidade que esgota seu tempo físico, apesar de infinitas suas possibilidades para construir uma obra maior. Morrendo na praia, o que se traduz numa pífia superficialidade, quando podemos nadar num oceano de criatividade.
Somente recorrendo a vidas passadas, como Lao Tsé, para interpretar o presente: “Como os grandes rios e as marés dominaram as centenas de rios menores? Sendo mais baixos que eles”.
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