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OJERIZA A COMPROMISSOS

O que está a confundir a cabeça do homem é que a concepção sobre a esposa ser um lugar seguro e confortável para viver, comer e ter a roupa lavada e bem passada, uma mistura de mãe e empregada doméstica, transfigurou-se na companheira, fiel amiga e camarada, depois que o sexo, como a tempestade, atinge a bonança. Companheiro é um jargão marxista que sepulta a antiga idéia de que mulher não pode ser amiga de homem, quando ambos estavam próximos, tinha caroço no angu.
Generalizando, ele reagiu aos novos tempos: a aventura passageira não interfere no relacionamento a sério e estimula o homem a retardar o compromisso. Inadmissível, em contrapartida, as mulheres se calarem a mais esse pulo da cerca e ignorarem Anaxágoras da velha Grécia: “se me enganas uma vez, a culpa é tua. Se me enganas duas vezes, a culpa é minha”.
Arte por arte, o macho prefere Shakespeare, em cometer o erro que o diverte ao invés do acerto que o entristece, foi só atração física e nada mais. Apenas não digere bem quando ela rompe com os neuróticos laços de ternura e deita-se na cama de outrem, aí, que se enrole a lona do circo e vá fazer amor em outra freguesia.Uma variante na ojeriza ao compromisso é o morde-e-assopra, não assume o relacionamento e tampouco deixa de rondar a vítima, a ponto de utilizar sua sogra para resgatar sua noivinha querida, desejando Feliz Natal, convencendo-a de que é um bom moço, sujeito decente e caráter raro.
Tudo depende do que existe no coração, verseja Victor Hugo, “o olho do homem é feito de modo que lhe vê por ele a virtude, a nossa pupila diz que quantidade de homens há dentro de nós, afirmamo-nos pela luz que fica debaixo da sobrancelha, as pequenas consciências piscam o olho, as grandes lançam raios, se há nada que brilhe debaixo da pálpebra, é que nada há que pense no cérebro, é que nada há que ame no coração”. Pelo exame da retina, o homem percebe-se vasculhado na veracidade do amor, assim não vale a pena continuar e toma temência do casamento. Inicia-se a fobia.
Eterno pesa na consciência, daí vulgarizarem soprando no ouvido de todas “eu te amo”, porquanto emprenhar o ouvido não engravida. Além de produzir uma categoria de orgasmo sensivelmente superior ao localizado no ponto G, tão-somente por ser intangível e arrancar a imaginação do rés da cama, levando vantagem sobre os sonhos, ao superar o orgasmo da Idade da Pedra, temperado a gritos e sussurros, gemidos que não encerram dor nem queixas, a prova viva de que o prazer é travesti.
Não adianta protelar, vão se defrontar cada vez mais com mulheres resolutas, convencidas de seu processo irreversível de jamais tornar à cadeira de balanço de suas avós e bisavós, porquanto fundamental a independência financeira e poder político. É uma causa mais nobre do que estar presente no lar, em horário integral, depender de homens e correr o risco de serem do contra quanto a siliconagem, engrossamento dos lábios, lipoescultura do culote, enfim, decidir seu próprio destino e se dar ao direito de vacilar no quesito maternidade.
As mulheres avançam na força de trabalho nos setores de informação e de serviços, mas nas hierarquias tradicionalmente masculinas, como na política, economia e guerra, têm que lutar incansavelmente para subir, por vezes se comportando de modo incisivo e austero, ao feitio masculino, para abrir portas. Pouco a pouco, os lares vão prescindindo da figura do chefe de família em meio à avalanche de abandono do posto, por absoluta incompetência em administrar o relacionamento em equipe. Uma nulidade na colaboração e na interdependência, de prever o que está por vir e agir, de não se esconder por trás de palavras lançadas ao vento e atitudes ao léu.
Eles não seriam ingênuos, no pior sentido da palavra, em confessar delitos do gênero “destrói cada mulher com quem se casa”. Por dentro, remoem de ódio, mas não acusam a sucessão de golpes sofridos, esse o traço mais significantemente canalha do caráter de qualquer homem. Apenas admitem essa enxurrada de mazelas quando atingem o estágio previsto por Antonio Carlos Jobim em “Águas de Março”, é pau, é pedra, é o fim do caminho.
Tão-somente quando vem uma chuva e derruba seu barraco, é que descobrem que moram em área de risco. Sob coerção, reconstroem seu lar, o útero em que foram criados.

Antonio Carlos Gaio:
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