São inúmeras as possibilidades do homem que é homem balançar a roseira no carnaval, nostálgico de um tempo em que bacanais e calígulas desbancavam o bobão do Rei Momo que só quer saber de comandar os festejos de forma ingênua e pueril. Pura fantasia, idéia fixa na orgia que preenche o imaginário coletivo dos homens os 365 dias do ano.
O que o faz refletir, não sem uma certa angústia, e a cantar “com quem será, com quem será” que ele irá ficar nesse carnaval. Parte do eterno princípio calcado no erro de Adão, começar só, somente só. Partir para o combate corpo-a-corpo e conquistar o escalpo do inimigo, à mercê de sua fúria sexual que prova por a + b as Frenéticas: “sei que eu sou bonito e gostoso e sei que você me olha e me quer”.
Mas nada lhe agrada. Pega dali, apalpa daqui e encosta no travesti que o atrai e assusta. Foge que nem o diabo da cruz e se acomoda no abraço da mocréia, sempre atenta aos desencontros amorosos para colher as sobras. As tribufu sentem asco pelas mal-amadas, elas não são capazes de dar um passo em falso, guiadas pela soberba, e o carnaval, com o “Abre-alas” de Chiquinha Gonzaga, foi feito para deixar o rei nu, deixar cair a fantasia, por sobre os olhos.
Conversa dali, beija daqui, mas nenhum rosto suado lhe satisfaz. De que adianta o peito e a bunda falarem mais alto, se para chegar naquele roçado vai ter de apostar suas fichas num carteado sem fim, quando prefere o jogo de cartas marcadas. Como as mulheres o obrigam a jogar o ano inteiro para se aproximarem e beberem da água de sua fonte, no carnaval eles querem descansar e se sentirem como os reis da folia.
“Não é mole não”, todos cantam em uníssono. Por que, ó Deus, o desejo puro e liberto não alcança o inacessível? O carnaval existe para soltar a franga, deixar a peteca cair, curtir um amasso, fazer o que nunca teve coragem de fazer, deixar para ontem o que pode fazer hoje, já ter história pra contar pros seus netinhos, afinal de contas, cachaça é água, me cutuca que eu te cutuco, ziriguidum, nheco-nheco, vaaai paa-ssar, agora sim, eu vou me acabar e as águas vão rolar!
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, tocou o sinal de alarme, acabou a hora de um recreio tão feliz. É hora de apelar, de descer do pedestal e cair na realidade. Não se trata de não querer ficar sozinho, finito o carnaval, os sonhos não podem cair no vazio, assim o exige a Quarta-feira de Cinzas! Você tem a mania de deixar tudo pra cima da hora, lembre-se que seus amigos irão lhe cobrar, se não descolou uma gata de encher os olhos e fazê-los crer que não é um cafajeste a esconder esse bandido coração.
Não lhe saem da cabeça as advertências de sua mãe e namoradas-pentelho para abandonar a galinhagem, cair de boca no mulherio, banir a prática de afogar o ganso, de ter uma reação em cadeia a cada mulher que o excita. De ser a cigarra e não a formiga, de viver em função do belo, presa fácil da sedução, de mudar o rumo com facilidade, de o banal tomar o lugar do vital, de prontidão para batidas em busca de almas perdidas, a eleger o corpo como a mente sã. Isso não leva a nada, meu filho!
O melhor a fazer é rasgar a fantasia e vestir o perfil de paletó e gravata a agradar caretas que não se encaixam na realidade da fantasia. São muitas para brigar e derrotar, não há ainda outra escapatória, a hipocrisia reina absoluta a despeito de tabus virem caindo que nem folhas de outono. Ou bem se vive a fantasia, a permissividade atual avaliza, ou, de mãos dadas com sua cara-metade, brinca o Carnaval e assiste os outros a sair atrás da fantasia.
O fato é que houve época, em civilizações distantes, que se masturbava menos. Para que consolo se a Natureza era pródiga em amor e abundante na colheita? Menos civilizado, é certo, voltado para o cio e reprodução, mas, convenhamos, o carnaval, de fio a pavio, mudou que nem a mulher. Para o homem, nem tanto, que segue cantando:
“Vou deixar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval!”