“Os Miseráveis” é um romance de Victor Hugo, publicado em 1862, que deu origem a muitas adaptações no cinema, teatro e outras mídias, retratando o panorama socioeconômico da população mais pobre da sociedade francesa do século XIX e a desigualdade social e a miséria reinantes. O estreante Ladj Ly foi quem concebeu a nova versão filmada, estonteante e perturbadora, completamente desapegada do original, mas nele inspirada ao expor o conflito na relação com o Estado, seja pela ação arbitrária da polícia ou pela atitude do revolucionário obcecado pela Justiça, e de outros que vão despertando e surgindo para combater a escala de valores corrupta e abjeta que se forma numa rede que mistura francês branco (o policial racista), negro africano e/ou muçulmano, árabes, todos natos ou não, descendentes de refugiados de outrora, e ciganos. Ladj Ly dividiu com o brasileiro “Bacurau” o prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019 e tornou-se o primeiro cineasta negro francês a ser indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, quando se debruçou sobre o subúrbio em que passou sua vida nas cercanias de Paris, revelando a falta de horizontes, a violência do Estado, as formas de organização local, onde o crime chega a ser uma necessidade para sobreviver – o olhar dele é de quem viveu aquele inferno por dentro. Quanto à urdidura dos problemas, a semelhança com as nossas favelas chega a ser impressionante. Só faltou o morro. Se não fora pelas imagens iniciais do filme, com jovens negros do subúrbio comemorando em Paris junto a seus conterrâneos mais abastados a vitória da seleção francesa na Copa do Mundo de 2018.
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