X

OS SUICIDAS MAIS ILUSTRES

Uma das imagens mais frequentes ao correr da evolução da Humanidade é a do artista que não resistiu aos altos e baixos próprios de uma carreira instável quando, no auge, embebeu-se com sua criatividade e regozijou-se com sua glória. A experiência-limite. Esse culto do gênio trágico e suicida forma uma galeria bem conhecida, por exemplo, na história da literatura, expressa nas figuras de Ernest Hemingway, Virginia Woolf, Maiakovski.
Lembra a cerimônia do Oscar quando homenageia os mortos da classe artística que se vão a cada ano, num revival que refresca a nossa memória quanto a astros esquecidos e perdidos numa gaveta, causando estranheza como envelheceram sem nada poder fazer, despidos da fama, ou bafejados por um sucesso fugaz, sumidos na poeira das estrelas. Marcaram uma época ou sua geração, ou serviram de referência para sua evolução ou influenciaram seu destino. Imaginem quando não se suicidam!
Portanto, quem muito se suicida é a classe artística, após ver sua carreira declinar e cair no ostracismo. Pier Angeli, esquecida e deprimida, aos 39 anos, partiu de seu apartamento na Beverly Hills (Califórnia), em 1971, com uma overdose de drogas. Capucine, lembrada pelos filmes da “Pantera Cor de Rosa”, com sua carreira no ocaso e reclusa, atirou-se do 8º andar em 1990. Ao constatar que seu carisma incensado em “Os Brutos Também Amam” (1953) visivelmente enfraqueceu e pressentindo que os estúdios já pensavam em descartá-lo, Alan Ladd resolveu tomar a iniciativa e se despedir em 1964, aos 50 anos. Jean Seberg ganhou notoriedade com o filme “Bon Jour Tristesse” e a nouvelle vague de Jean-Luc Godard, “Acossado”, e como ativista política ligada ao grupo Panteras Negras, mas a morte do filho que gestava aos 40 anos deixou-a desgostosa e, em 1979, seu corpo foi encontrado num carro, apodrecido, após quase duas semanas de decomposição. Quinze meses depois, seu ex-marido, o escritor Romain Gary, com quem viveu pouco tempo, matou-se com um tiro na boca. Piloto da força aérea francesa e inglesa de 1937 a 1945, na sequência, diplomata francês em Sófia, Berna, Londres e Los Angeles até 1956, usando dois pseudônimos, além do seu nome, para publicar 25 livros. O lituano deixou uma carta informando que sua decisão em se suicidar nada tinha a ver com a morte da atriz, e sim com o seu epíteto: “A noite será calma”.
O esporte favorito da mexicana Lupe Velez era tentar levar para a cama cada um dos atores com quem trabalhava, como Gary Cooper, Douglas Fairbanks, Charlie Chaplin, chegando a se casar até com o Tarzan Johnny Weissmuller. Aos 36 anos, grávida de seu último amante, planejou um suicídio melodramático com gardênias e velas em profusão, vestida de lamê, depois de cear com as amigas. A combinação da comida picante mexicana com 75 comprimidos de Seconal levou-a a se aliviar esbaforida, escorregando e caindo de cabeça na privada, em 1944. Tanto glamour para uma morte inglória.
Deparando-se com seu filho de 14 anos morto, espetado numa cerca com pontas de metal que tentou pular, Romy Schneider se suicidou meses depois, aos 43 anos, em 1982. Uma mulher que fez os homens se sentirem acossados e perturbados, famosa com a série “Sissi” e realçada por grandes diretores como Orson Welles, Otto Preminger, Joseph Losey, Luchino Visconti, Claude Chabrol, Costa-Gravas, Dino Risi.
Seus últimos quinze anos de vida foram perturbados pela crescente dependência de drogas, repetidas tentativas de suicídio e colapsos nervosos. Contudo, serviram de incentivo a espetaculares retornos, e seus shows em Londres e Nova York bateram recordes de bilheteria. Muitos viram retratados seus infortúnios no filme “Nasce Uma Estrela” (1954), tendo atingido o estrelato internacional aos 17 anos em “O Mágico de Oz” (1939), um clássico cinematográfico. Judy Garland suicidou-se aos 47 anos, em 1969, sentada numa latrina, imersa numa overdose de soníferos e vodca a rodo, legando-nos Liza Minnelli de seu casamento com Vincente Minnelli.
Violeta Parra, conhecida pela música “Gracias a la vida”, se antecipou, em 1967, à repressão sanguinária que se abateria sobre a América Latina sob ditaduras militares. Para não ver o que iria acontecer ao seu amado Chile. Apesar da fama e fortuna, a cantora Dalida suicidou-se em 1987, desiludida com o mesmo fim de seus três maridos; um deles foi Luigi Tenco que, ao não se sagrar vencedor no Festival da Canção de San Remo 1967 com “Ciao, Amore, Ciao”, saiu de cena antes que a música virasse sucesso no mundo inteiro.
Em 1982, o diretor de teatro, escritor e cineasta, Rainer Werner Fassbinder, matou-se com uma overdose de drogas. Seu sucesso foi principalmente de crítica e não de público. Por outro lado, George Sanders se suicidou aos 66 anos, em 1973, por suas atuações lhe parecerem medíocres aos olhos do público, apesar do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante a que fez jus no melhor filme exibido em 1950, “A Malvada”, estrelado por Bette Davis e dirigido por Joseph Mankiewicz. Deixou bilhete reclamando do tédio existencial.
Dois filhos de Bing Crosby se suicidaram. O mais velho, Lindsay, em 1989, não suportou a mitificação do pai famoso, descobrindo-o um déspota com a família, e acabando por não se adaptar à sua existência. Em 1991, Dennis não aguentou se separar de sua mulher. Ambos com um tiro. Bing Crosby já os havia deixado em 1977.
Na carreira de grandes artistas a memória procura primeiro os momentos de glória e aplausos. Debaixo do tapete proliferam tropeços, fracassos e rejeições, que praticamente desaparecem ante o brilho que a obra ganha na posteridade. Acreditando-se um autor frustrado, John Kennedy Toole matou-se aos 32 anos, em 1969, só sendo encontrado dois meses depois em seu carro, tendo inalado monóxido de carbono. Por não conseguir publicar “A Confederacy of Dunces”, a história de um intelectual gordo e desajeitado que tem empregos ruins e namoros complicados enquanto mora com a excêntrica mãe. Provavelmente inspirada em sua mãe que, com 79 anos, convenceu o romancista Walker Percy a ler a obra. Com pai e mãe suicidas, ele conseguiu persuadir a Universidade de Louisiana a publicá-lo, mas somente doze anos depois. O livro ganhou o Prêmio Pulitzer, foi traduzido para dez idiomas e vendeu mais de um milhão de cópias.
William Inge foi eleito o dramaturgo mais promissor de 1949-50. No cinema, fez sucesso com “Picnic” e “Nunca fui Santa”, ganhando um Oscar pelo roteiro mais original de “Clamor do Sexo” (estrelado por Nathalie Wood e Warren Beatty), em 1961. Bastou suas peças e livros não mais conquistarem o público, para discretamente regressar à vida acadêmica, o que o levou a inalar monóxido de carbono em sua garagem, dentro de um carro.
No século IX a.C., Licurgo, de nobre família espartana, tutor e legislador que pregava contra a tirania em prol da educação comum a todos e refeições públicas, sempre que voltava de longas viagens, encontrava sua Esparta ameaçada pela agitação e pelo caos reinante, num crescendo, prestes a ingressar numa guerra civil. Entristecido com a estupidez coletiva e a falta de capacidade do povo e de governantes para se autogerir, resolveu suicidar-se, entregando-se à inanição. Do século VI ao V a.C., Pitágoras, o matemático grego, a quem são devidas as descobertas matemáticas, geométricas e astronômicas, o sistema decimal, o teorema do quadrado da hipotenusa, a tábua de multiplicação, deixou-se morrer de fome após jejuar por quarenta dias. Fundador de uma seita adepta da metempsicose, doutrina segundo a qual uma mesma alma pode animar sucessivamente corpos diversos, transmigrou para outro plano em profundo silêncio e autodisciplina, dando curso a um novo ciclo de reencarnação.
Demóstenes, o mestre da oratória, fazia seus primeiros e longos discursos com a boca cheia de seixos e ia declamar à beira dos oceanos para aprender a suplantar o ruído das ondas e, posteriormente, o clamor das multidões.Diante do fracasso na intransigente defesa da soberania ateniense contra a ameaça de Filipe da Macedônia e a iminente prisão, optou por suicidar-se em 322 a.C.
Sócrates fazia com que as pessoas conhecessem a si próprias, induzindo-as, com ironia, a observar suas próprias contradições na perseguição da verdade. Não deu outra, tachado de subversivo e corruptor da juventude, foi condenado ao suicídio, o que o fez com a maior dignidade. Nem assim os gregos se livraram do segundo atentado contra a filosofia – com cicuta, era moda. Vingaram-se de Aristóteles, o preceptor de Alexandre, o Grande, que retribuiu ao mestre financiando a Escola Peripatética – lecionava filosofia passeando. Condenado, em 322 a.C., a suicidar-se ingerindo cicuta, tal como Sócrates o foi, 77 anos antes. Válido para a democracia ateniense como para o império romano. Caio Petrônio, autor de “Satyricon”, caiu em desgraça com Nero e foi convidado a cortar os pulsos, o que o fez dentro de uma banheira contando histórias aos amigos, até morrer em 66 d.C.
Aos 96 anos, Zenão de Cício enforca-se em 232 a. C., julgando haver encerrado sua carreira de filósofo depois de fundar o estoicismo, que se caracterizava por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino fossem as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade, vindo a se desvirtuar com o tempo para a rigidez de princípios morais.
O que importa não é vivermos ou morrermos, mas sim o que criamos, por mais breve que seja. Palavras de Spartacus, quando lutou por um mundo sem escravidão, que só viria a ser abolida dois mil anos depois. Na época, achavam que morreu em vão, mais um escravo a cair no esquecimento. Mas ele tornou-se lenda e perdurou, continuando a viver através do boca a boca de outros escravos e de quem se sentia ameaçado com a perda de privilégios. Spartacus propunha a união de homens considerados animais, filhos de rameiras e desprovidos de alma, contra o opressor. Ser como o inimigo é ser vencido por ele, a bandeira de sua utopia.
O fracasso dos políticos frente ao seu maquiavelismo megalomaníaco. Cleópatra foi confirmada como rainha do Egito quando se tornou amante de Júlio César, em 47 a.C., dando-lhe à luz Caesarion. Em 44 a.C., César foi alvo de uma conspiração e assassinado numa sucessão de facadas, na qual um dos partícipes, Brutus, viria a se suicidar sobre a ponta de uma espada, seguido por sua esposa Pórcia que, solidária, engoliu carvão em brasa. Forçada a se casar pelos costumes egípcios com seu irmão mais novo de 11 anos, Ptolomeu XIV, Cleópatra contesta, assassinando-o. Tal como anteriormente já havia tramado para seu outro irmão, Ptolomeu XIII, então com 17 anos, ter o mesmo fim. Marco Antônio a interpela para saber que partido tomou na guerra civil que se seguiu à eliminação de César, o suficiente para ambos se apaixonarem e ele voltar com ela para o Egito, vivendo juntos até precisar retornar a Roma para comandar expedições de guerra e se casar com Otávia, irmã de Otávio, futuro imperador romano com o nome de Augusto. Mas Cleópatra teve dois filhos gêmeos e Marco Antônio resolveu se casar com ela, continuando a residir no Egito e daí resultando um terceiro filho, até que o imperador declarasse guerra ao casal. Com a chegada de Otávio ao Egito, a fuga de Cleópatra para Alexandria, a notícia de sua morte correndo, Marco Antônio se suicidou com a própria espada e Cleópatra se deixou picar no seio esquerdo por uma serpente, em 30 a.C. Caesarion, o último membro da dinastia ptolemaica, foi morto por Otávio e o Egito tornou-se uma província nas mãos dos romanos.
No Jardim das Oliveiras, Judas Iscariotes, aos 26 anos, identificou Cristo com um beijo na face e o entregou aos soldados em troca de trinta moedas de prata, o equivalente a quase 20 dólares, o preço de um escravo à época. Conscientizado de sua ignomínia e pleno de remorsos por trair o Nazareno, desfez-se do dinheiro jogando-o num templo e se enforcou nos galhos de uma figueira.
“Que grande artista o mundo irá perder”, palavras do imperador romano Nero, antes de se suicidar, apunhalando-se em 68 d.C., aos 31 anos. Depois de mandar queimar Roma, a que assistiu de longe, ao som da lira e declamando versos que ele próprio compusera. Antecedido por obrigar Sêneca, seu preceptor, a cortar os pulsos, seguido por sua mãe Agripina (que quase chegou a ser sua amante), e Otávia, sua mulher. Não sem depois matar Popéia a pontapés, sua segunda esposa, que estava grávida. Arrependido, investiu no seu lugar um escravo sírio que se assemelhava a ela, a quem castrou, vestiu-o com roupas da imperatriz, e casou-se publicamente com ele, com ambos se exibindo numa liteira em cortejo público. Seu grotesco reinado durou treze anos e oito meses, um verdadeiro suplício.
Suicídio em três atos de Chamfort, jornalista e dramaturgo desencantado com os excessos da Revolução Francesa, de espírito irônico, amargo e boêmio: um tiro na têmpora, sobreviveu perdendo um olho; com dores lancinantes, cortou a garganta com uma navalha; em seguida, retalhou o peito em “X”, morrendo dias depois, em 1794, imerso em sofrimentos atrozes.
A uma volta no estádio de garantir a medalha de prata na prova de maratona nos Jogos Olímpicos de Tóquio de 1964, Kokichi Tsuburaya foi ultrapassado pelo inglês Basil Heatley, que estava a 40 metros atrás. Os japoneses ainda não haviam conquistado uma medalha sequer no atletismo e Tsuburaya se encontrava prestes a fazer história. O seu esforço corajoso reafirmaria a crença difundida no Japão de que a perseverança e a resistência mental podem superar a inferioridade que o maior talento impõe. Logo nos Jogos de Tóquio que estavam sendo celebrados como prova de saída do país da devastação da Segunda Guerra Mundial. Seu fracasso em somente obter a medalha de bronze, ao não cumprir seus altos padrões, e os da nação, repercutiram em Tsuburaya como vergonha e humilhação. Um erro imperdoável diante do povo japonês que o levou a prometer ganhar o ouro nas Olímpiadas do México, em 1968. Ao aumento brutal da carga para se preparar, sucedeu-se uma hérnia de disco e lesões no tendão de Aquiles, que implicaram em cirurgia. Além da família da namorada de longa data exigir que se casassem logo, numa época em que as mulheres deviam se comprometer para todo o sempre ainda jovens. O cancelamento do noivado, e ela imediatamente se casar com outro desgostou Tsuburaya, que usou uma lâmina de barbear para seccionar sua artéria carótida e morrer segurando sua medalha de bronze, aos 27 anos. Antes, subscreveu uma carta de desculpas ao Comitê Olímpico do Japão lamentando não conseguir cumprir sua promessa e desejando sucesso nos Jogos do México (seu amigo Kimihara conquistou a tão sonhada medalha de prata). Um herói quase mítico, vítima das Olimpíadas, tragado pelo comprometimento com a corrida, incapaz de resistir à autoridade e à perda de sua noiva. O retrato de uma cultura hierárquica que conferia vastos poderes aos anciãos, chefes e treinadores, que forçavam seus subordinados a fazerem coisas contra sua vontade. Poderes ainda comuns no Japão na vida corporativa, escolas e esportes, como judô e sumô.
Tradição ainda mais marcante em 1912, quando o conde e general japonês Maresuké Nogi e sua mulher praticaram o haraquiri por ocasião das exéquias do imperador do Japão, Meiji, cujo império marcou o encerramento do feudalismo japonês baseado no xogunato, predominante no Japão de 1192 a 1867. A que se seguiu o desenvolvimento e modernização econômica do Japão, a abertura do país ao exterior e o início de sua ocidentalização, tornando-o uma das grandes potências mundiais capitalistas. Sob o comando do general Nogi, o recém-modernizado Japão desafiou a supremacia militar europeia entre 1904 e 1905, quando 283 mil japoneses obrigaram 4 milhões e meio de soldados russos a capitularem, em sequência a um ataque-surpresa de lanchas-torpedeiras destruírem quase metade da frota russa e o cerco a Porto Arthur impedir de reforçar suas forças navais. Só cabia a Nogi, coberto de glórias e honrarias, se render ao haraquiri em louvor e reconhecimento ao imperador Meiji e acompanhá-lo em sua viagem através da morte, graças ao seu reinado ter demonstrado ao mundo ser o Japão uma nação de impor respeito e o general Nogi fazer parte deste legado.
Em 1921, o químico e inventor norte-americano Thomas Midgley Jr. resolveu o problema do ruído nos motores automotivos, adicionando chumbo à gasolina. Em 1930, descobriu um novo gás líquido (Freon) para geladeiras, que veio a facilitar a conservação dos alimentos, e de uso extensivo em refrigerantes e propulsor de aerossóis, jactando-se de que a química solucionaria os grandes problemas no mundo. Até contrair poliomielite em 1940 e ficar preso a uma cama, quando projetou um sistema de roldanas para se levantar dela, enquanto se deprimia com a condição física em que se encontrava e vendo suas ideias mal-empregadas – o pesticida DDT na agricultura. Suicidou-se aos 55 anos, em 1944, enforcando-se nos fios de suas próprias roldanas.
Homens empreendedores e milionários como George Eastman (indústrias Kodak de filmes em rolo e máquinas fotográficas com virtual monopólio da indústria fonográfica universal), que se matou em 1932 com um tiro de pistola Luger no coração, deprimido com a solidão e a doença que lhe atacara a coluna vertebral, deixando um bilhete: “Minha obra está concluída. Por que esperar?”. Aos 78 anos.
Quando o irmão caçula de um dos maiores gênios da música clássica, Gustav Mahler, se convenceu de que não possuía vocação nem para a regência e muito menos para a composição, nas quais persistia, não suportou a inveja e se suicidou com um tiro de revólver no coração aos 21 anos, em 1895. Mesmo com Otto recebendo aulas e orientações do célebre irmão, que procurava interceder para lhe conseguir uma vaga em orquestras.
Tendo publicado cinquenta livros, quinhentos artigos, duzentos contos e dezenove novelas, Jack London foi o autor mais bem pago dos Estados Unidos e o americano mais lido fora do país. Tudo isso não lhe bastou. Bebendo de forma desregrada até cair, não resistiu a si mesmo em 1916, aos 40 anos.
Walter Benjamin, filósofo e ensaísta, alemão e judeu, teve sua entrada negada na Espanha franquista, em 1940, e ingeriu grandes quantidades de morfina. Matar-se para não ver o inexorável avanço da ideologia nazista e ocupação da Europa.
As irmãs Eugenia e Athina Livanos Niarchos se suicidaram em 1970, aos 44 anos, e em 1974, aos 45 anos, respectivamente, quando foram casadas, em épocas distintas, com o mesmo homem, Stavros Spyros Niarchos. Ele as teria induzido ao suicídio à base de barbitúricos ou soníferos, diante da profunda depressão que se apoderou de suas frágeis almas com o casamento fracassado – crime continuado. Stavros sempre foi rival de Aristóteles Onassis, como armador e sendo os dois gregos mais ricos da época, começando por disputar Athina, nos seus 17 anos, para se casar. Onassis, com 40 anos, levou a melhor, vindo a se tornar seu cunhado, para irritação de Stavros, que se casou com Eugenia. Em 1960, Athina se separou, ao ver seu casamento ruir diante das inúmeras traições de Onassis, que culminaram em seu relacionamento com a maior cantora lírica de todos os tempos, a greco-americana Maria Callas, até Athina vir a terminar seus dias, a partir de 1971, em companhia de Stavros, nessa altura, viúvo de sua irmã (que havia se suicidado) e seu ex-cunhado.
À autêntica tragédia grega, se somou Alexander Onassis, o filho de Athina, que morreu em desastre no seu próprio avião, em 1973, um ano antes de sua mãe. Abalando a saúde de seu pai, Aristóteles Onassis, que morreu em 1975, matando de desgosto Maria Callas, de ataque cardíaco, em 1977 – sua eterna amante. Embora ainda vivendo com Jacqueline Kennedy Onassis, com quem se casou em 1968, e que levou em torno de 26 milhões de dólares para abrir mão de qualquer reivindicação sobre o império Onassis, e que viria a optar, em 1994, pelo suicídio assistido, ao padecer de câncer do sistema linfático, e este passado ao cérebro, quando ingeriu um poderoso coquetel de morfina com Seconal. Não sem antes, em 1988, aos 38 anos, o corpo de Christina Onassis, filha de Aristóteles e irmã de Alexander, ser achado nas cercanias de Buenos Aires, sob suspeita de suicídio, acometida do mal da família: depressão por amor irrealizado.
E os psicanalistas? A alemã e judia, Clara Happel, uma das criadoras do Instituto Psicanalítico de Frankfurt, fugiu do nazismo e foi segregada ao migrar para os Estados Unidos, quando anotaram em seu passaporte: “Mulher com dois filhos. Será um fardo para os Estados Unidos”. Devido ao ataque a Pearl Harbor, foi denunciada por um paciente psicótico como espiã e inimiga da América, amargando 45 dias na cadeia, vindo a se suicidar em 1945 com grande doses de barbitúricos.
O psiquiatra suíço J. Johann Honegger se matou em 1911, aos 25 anos, por se sentir manipulado por Freud e Jung, que o viam somente como instrumento para a edificação de suas ambições profissionais. Seguiram-no Karl Schötter, autor de Experimentelle traüme, em 1913, e os psicanalistas austríacos Victor Tausk, com um tiro e subsequente enforcamento em 1919, rejeitado por Freud, e Herbert Silberer, relegado ao ostracismo por Freud, enforcando-se na grade de sua janela em 1923.
James Harden-Hickey, jornalista, romancista, polemista e aventureiro americano, comprou um barco, viajou e, após cumprir um longo percurso partindo dos Estados Unidos em 1894, ocupou a ilha de Trindade na costa brasileira, coroando-se como rei. Possessão britânica à época, os ingleses de lá o expulsaram, quando veio a escrever “A Estética do Suicídio”, listando 139 maneiras diferentes de se acabar com a vida. Em 1898, se suicidou com um tiro na cabeça. Justiça seja feita, estudou e pesquisou para tanto.
O alemão Heinrich von Kleist cresceu num ambiente militar, que detestava. Foi romancista, poeta, contista, jornalista e dramaturgo em larga escala, mas colhendo muitos fracassos. Estudou Direito e Matemática, tornando-se desiludido com a filosofia a partir da leitura de Immanuel Kant. Embora ressaltasse a inabilidade do intelecto para compreender a Verdade, em considerando a falibilidade da percepção humana, e queimasse manuscritos para reescrevê-los depois. Até encontrar uma mulher doente, que implorou que a exterminasse, o que serviu de incentivo para dar um fim nele mesmo, em 1811, aos 34 anos. Com um tiro na boca, depois de nela disparar um tiro no peito.
Jeanne Hébuterne se suicidou em 1920, aos 21 anos, se atirando pela janela de seu apartamento, grávida de nove meses do pintor e escultor Modigliani, de quem era modelo, quando ele morreu e ela passou por sérias dificuldades, pois nunca conseguiu vender um só quadro em vida para sustentar a família. Precisou da tragédia para a obra de Modigliani se valorizar e começar a ser adquirida pela máfia dos negociantes de arte, que exploraram a desgraça.
“Ele não pode fazer isso comigo”, lamentou a dona de casa e socialite, Jacqueline Roque Picasso, junto ao marido moribundo, em 8 de abril de 1973. A musa do pintor caiu em profunda depressão quando ele morreu aos 92 anos, e ela com 46, tendo sido retratada mais de setenta vezes. Passou os dias a vagar por seu castelo na Riviera francesa, onde viviam desde 1961. Em 1986, aos 59 anos, com um tiro na cabeça, se tornou a segunda mulher de Picasso a se suicidar. A primeira mulher de Picasso a se suicidar, a modelo Marie Thérèse Walter, optou pelo enforcamento na garagem de sua casa de Juan-Le-Pin, em 1977, quatro anos após a morte do artista, abalada pela solidão e penúria existencial. A recordar que conheceu Pablo Picasso em Paris, em 1927, passando a morar com ele, tendo uma filha, Maya (1935), num caso que se prolongou até o pintor vir a morrer, a despeito de Marie Thérèse ter mais três filhos originados de outro casamento. Na manhã do enterro de Picasso, o neto Pablo envenenou-se aos 24 anos, bebendo uma garrafa inteira de água sanitária concentrada, vindo a morrer três meses depois. Decepcionado por se ver impedido de se despedir do avô no funeral, em virtude de Jacqueline Roque ter dado ordens expressas para que nenhum parente de Picasso estivesse presente à cerimônia de sepultamento.
Hitler e Goebbels. Heinrich Himmler, o chefe da SS, da Gestapo, e principal arquiteto do Holocausto. Martin Bormann, desaparecido. Hermann Göring, criador da Luftwaffe, a aviação militar alemã, ladrão de coleções de arte de judeus que mandava para campos de concentração e viciado em morfina, deliciando-se ao usar uniformes extravagantes e condecorações exuberantes.
Rudolf Hess, escriba de Hitler que lhe ditou Mein Kampf em 1923, quando ambos estavam presos por uma tentativa de golpe dos nazistas para se apoderarem do governo alemão. Em maio de 1941, pilotou um caça e saltou de paraquedas na Escócia para negociar a paz unilateralmente. Foi imediatamente trancafiado na Torre de Londres, de onde só saiu em 1946 para ser julgado em Nuremberg e condenado à prisão perpétua. Somente em 1987 se suicidou, aos 93 anos, enforcando-se com um fio elétrico.
O Marechal Rommel se tornou traidor do regime nazista ao integrar a conspiração para assassinar Hitler em julho de 1944, depois de cognominado de Raposa do Deserto, graças à reputação adquirida de 1940 a 1942 em campanhas travadas nos desertos norte-africanos, que chegaram a sessenta quilômetros de Alexandria (Egito), quando os britânicos detiveram os alemães e os obrigaram a se retirar da África. Não restou outra opção a Hitler senão convidar Rommel a se suicidar, garantindo-lhe um enterro com pompas militares e livrando seus familiares de represálias, e assim evitar de expor um herói do povo pendurado numa forca, o que não lhe convinha.
Em conclusão, os carrascos nazistas se despediram da vida da forma mais covarde e abjeta possível, se suicidando para não pagar por seus crimes em vida ou não sofrer pelo desprezo alheio a quem já foi muito poderoso ou por ter jogado na lata do lixo sua existência marcada pela indignidade, quando lá atrás impuseram terror, torturas, execuções, massacre e genocídio.
Além de inúmeros homens se suicidando como Tchaikovski (aos 53 anos, em 1893) e Montgomery Clift (aos 45 anos, em 1966), ao perceberem uma total impossibilidade de exercer seu homossexualismo, ou mesmo bissexualismo, e outros que se perderam no anonimato ao correr da evolução da Humanidade, excetuado o que foi manifestado no período áureo da Grécia Antiga ou no Império Romano ou a partir do Iluminismo, nos últimos 300 anos, a despeito do preconceito ainda não vencido. Também pouco se encontram registros de mulheres lésbicas que se suicidaram.
Segundo o jornalista e romancista Antônio Calado, “há que abraçar a alma de um revolucionário no curso de nossa existência, se entregando ao dever de transformar sua morte em vida”.

Fonte: TOLEDO, J. Dicionário de suicidas ilustres. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Antonio Carlos Gaio:
Related Post

Este site usa cookies.