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PADRE JOSÉ MAURÍCIO

Em cartaz no teatro, depois de 173 anos no ostracismo. Autor de mais de 200 obras musicais, regente de orquestras e corais, iniciadas pelos idos de 1794, quando obrigado a compor peças para as missas dominicais. O que o alçou a Mestre de Capela da Catedral do Rio de Janeiro, encarregado também pelo Senado de preparar a música para festividades oficiais.
Apesar de sua precocidade, somente a vocação religiosa poderia abrir caminho para o seu talento, visto ser pobre, mestiço e filho de escravos alforriados. Como não queria vivenciar Deus na castidade, sua mãe alertou-o quanto ao impasse: se o amor for uma ilusão, Deus lhe dará guarida para resistir e sofrer calado; se verdadeiro, quebre os votos, seus filhos responderão por sua escolha. Se virá alegria ou fardo, não cabe pensar no futuro, o seu talento fará História no presente.
Para aceitá-lo como sacerdote, a Igreja instaurou um processo a fim de comprovar os sentimentos católicos de seus ascendentes. Confirmados os “bons costumes” e o batismo de seus pais e avós, ser negro era considerado um defeito. Havia que pedir dispensa do defeito da cor para ser atendido. A falta de patrimônio também era um agravante. Um comerciante abastado o livrou da condição de zé-ninguém com uma casa na atual rua das Marrecas.
Seu prestígio atraiu o interesse de uma donzela, zé-ninguém como ele havia sido, que não se intimidou com a diferença de idade ao lhe dar 5 filhos. Que ele não pôde legitimá-los, amor e família vividos clandestinamente. O que não impediu a troça do povo com a mulher do padre, levando-a a abandoná-lo quando sua saúde começou a debilitar somada à penúria financeira.
A chegada de D. João VI e sua comitiva aumentou seu prestígio, ao ser encarregado de reproduzir as cerimônias religiosas tal como em Lisboa, tornando-se o organista da corte. Foi a gota d’água para a explosão da inveja e do preconceito dos músicos portugueses, em uma enxurrada de intrigas e maledicências, até de seus admiradores. A ponto de ser rebaixado a arquivista da Biblioteca Real, atrasarem a sua paga e endividá-lo, obrigando-o a hipotecar sua casa.
Seus piores e melhores momentos foram quando chamado a compor um réquiem e um ofício – sua especialidade na música sacra – para encomendar a alma da rainha D. Maria I. Ao mesmo tempo em que sua mãe morria sem que tenha podido sequer assisti-la na agonia final. Compôs chorando a mãe, seu guia.
Seu pior e melhor momento foi quando convidado por Sigismund Neukomm, integrante da missão artística francesa que veio ao Rio em 1816, a partir para a corte austríaca e ver seu talento reconhecido prosseguir na evolução do espírito que sua música exigia. Arqueado pelos duros embates contra a discriminação, receou enfrentar outra realidade e restar só em plagas distantes, preferindo morrer na extrema miséria em 1830.
A arte exige que você seja fiel e se comprometa para que ela corresponda. Tem que ser um caso de amor verdadeiro, que não comporta vacilo ou escapismo, a entrega tem de ser incondicional. É o único campo humano onde sonhos são realizados. E renovados. Para que se restaure o prazer. O amor busca este êxtase e invariavelmente dá com os burros n’água.

Antonio Carlos Gaio:
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