O trabalhador amarga o sétimo ano consecutivo de queda na renda. O maior recuo, quando o país pagou um preço caro pelas turbulências eleitorais decorrentes da acomodação da elite a um presidente operário. Sem desconfiar, nem de longe, que o discurso de Lulinha Paz e Amor era verdadeiro. Não foi uma reles manobra para derrubar o sapo que não virou príncipe. Para gáudio da turma da Bolsa de Valores, que espalha o boato de ser o mercado acionário um real instrumento para aferir recessão ou crescimento. A especulação, apenas uma mera contingência.
Com aquela cara de médico que sente prazer em dar injeção, Palocci nos brindou com um cavalo-de-pau na economia, que inflou a massa de desocupados e prosseguiu a expansão do êxodo rural. Por mais que finalmente o brasileiro tenha se convencido de que lugar de criança é na escola e não para somar ao orçamento doméstico. Mas aí está o busílis da questão: no que aumentou o nível de conhecimento, ainda não existe uma correspondência direta que traduza o plus no aprendizado em moeda sonante. Gerando um clima de insatisfação, inconformismo e revolta, pois aproxima os jovens, ainda cheirando a leite, do abismo social. Já pensou se todos reagissem? Desencadeando arrastões que agridem e assaltam banhistas embevecidos com a garota de Ipanema, além de tiroteios e interrupção de vias expressas. Obrigando-nos a deitar no chão para evitar bala perdida, resolver entre crescer o muro ou pôr cerca elétrica, apurar a forma física para correr dos assaltantes, dirigir usando todos os espelhos para descobrir quem o persegue, se desfazer de carros que dêem na pinta, terceirizar os saques nos bancos, acompanhar os passos de seus pais idosos – um chamariz – e se fazer de pobre, vestindo-se de modo a não chamar a atenção.
Os ricos reclamam do problema não lhes dizer respeito, dessa anarquia com grife de partido político que elegeu um presidente operário. Pensam em mudar de país, seguindo o mesmo destino de seu capital investido nos Estados Unidos e nos paraísos fiscais de Ilhas Cayman, Virgens e Bahamas. Cerca de US$ 82 bilhões, 15% do que a economia gera anualmente, ampliando seus horizontes a uma velocidade sete vezes maior do que o crescimento do país. Essa é a medida dos apátridas que apostam na internacionalização da economia brasileira, protegendo seus interesses da instabilidade, embora o paraíso para especular seja aqui. Preservam-se lá os lucros, o caixa 2, o dinheiro não-declarado e sonegado, o desvio do caixa do governo, os dízimos, as comissões de obras, estradas e hospitais, pois não é crime manter capital no exterior.
Essa gente que nos dirige e faz lobby extrapola na defesa de seus ideais políticos. Não tem a menor autocrítica sobre o seu caráter. Descontraídos, admitem o privilégio de uma linha direta com Deus. Pintam o cabelo, reduzem o estômago, lipoaspiram o cérebro e casam-se com ninfetas que querem fazer carreira como madames.
Num rasgo de sinceridade, confessam que ainda precisam melhorar muito: “a vida é uma aprendizagem, né?”. Mudar totalmente é que não dá pé. Quanto mais se aumentam as responsabilidades, todo e qualquer ato ganha repercussão em função do cargo que ocupa. E é muito difícil não falar o que se pensa, quando, à sua retaguarda, uma vida inteira acostumado a se expor, discutir e lutar pelas idéias é o que predomina. Mas bastou adentrar nos salões do poder, ofuscados pelo brilho das celebridades clicadas pelas máquinas fotográficas, para pensarem duas vezes antes de falar e não queimar a língua. Dourando a pílula, afinando o discurso, aparando as arestas e passando a pensar não mais com sua cabeça. O coletivo impõe que modere sua visão pessoal de acordo com o que se pode fazer no momento.
Sementes de pequenos assaltos são atribuídas a armação, espetáculo da mídia, do tempo em que Brizola e Roberto Marinho se digladiavam. Acabou-se o que era doce, quem comeu regalou-se. A sociedade organizada está perdendo o controle da disputa ao ser colocada como alvo. Os políticos se revelam débeis quando deixam de falar a verdade ao tentar explicar o impossível. Entre o que se promete em campanha e o que se realiza, a diferença é abissal. Nos deixando num mato sem cachorro, em que se recomenda entregar tudo a quem se debate para provar que não nasceu em vão.
Nos deixando com uma pulga atrás da orelha: se o homem nasceu possuído pelo Mal.