Há que ser crítico, senão passamos por estéreis, desenxavidos ou inútil paisagem cujo tédio nos mata, pois não reflete nem discute e só levanta a crista se por capricho. Contudo, não há que ter uma visão casta do mundo ou politicamente correta para ser crítico, pois cada vez mais sentamos à mesa com ladrões tolerados e dançamos em festas com fanfarras a escroques que ainda não levantaram a lebre. E, em breve, o crítico é quem irá sentar. Senão parecerá uma freirinha educada no Sion!
Também não adianta parecer expedito e prestimoso, porque não aliviarão as chagas que causam enxaqueca derivada do espírito crítico de hoje: o baixo astral da inveja, a barra pesada do ódio, o apelo desabusado ao compadrio e a indiferença.
O intuito do crítico não é evangelizar, mas se entregar ao incorrigível desejo de esmiuçar a vida alheia nos seus mínimos detalhes. Não há que puxar tanto pelo passado, com saudades, nem pelo futuro ser apocalíptico, através da dialética examina quanto a certas coisas afirmadas se alguma coisa que não a afirmada necessariamente se segue, a perseguir uma lógica aristotélica que até hoje direciona o nosso raciocínio e conhecimento.
O crítico não é capaz de conviver com os simples mortais em sociedade, por se bastar na crítica, pouco lhe alcançando a besta quadrada com que o homenageiam por ser um deus que enxerga a arte com olho de lince, a perpetrar injustiças pelo poder de fogo que cospe de suas entranhas, comprometido com postulados e paradigmas estruturais que embarreiram generosidade e casos de amor à primeira vista com a arte. Ao censurarem o seu poder sensorial, dormem no ponto e perdem o final do espetáculo.
De Aristóteles dominam a Poética, a mais poderosa elucidação da literatura jamais escrita, mas desconhecem a Física em “sendo o movimento eterno, se existe uma causa inicial, ela também deve ser eterna, nesse caso, é forçoso admitir que há apenas uma causa, a primeira a pôr as coisas estacionárias em movimento, e sendo esta eterna, se constituirá em princípio de movimento para todas as outras coisas”. Por admitir implicitamente Deus, preferem a teoria do Big Bang na origem do universo.
Baseiam-se na afirmação de Wittgenstein de que toda a filosofia era apenas uma incompreensão devido a erros lingüísticos. Citam, como exemplo, o cineasta português João César Monteiro que realizou a proeza de filmar Branca de Neve sem projetar uma só imagem nos 75 minutos de duração no escuro. Apóiam-se em Sartre cuja filosofia se articula a partir da liberdade de escolha do indivíduo, ao escolher, ele escolhe a si mesmo. Mesmo que o contexto histórico da situação pareça mantê-lo cativo e de mãos atadas, a liberdade permanece com sua crença apaixonada pela independência na escolha. O homem está condenado a ser livre, seria agir de má-fé esquivar-se à responsabilidade pelos próprios atos, ao tentar racionalizar a existência humana impondo-lhe coerência – o inferno são os outros.
Dizem que o tempo é o melhor remédio, exatamente do tamanho das coisas que têm que caber dentro dele. O crítico que é crítico ocupa o máximo de seu tempo, dando o que de melhor tem, na teorização. Questão de preferência. Há quem opte por conseguir esquecer mágoas passadas, uma dádiva divina, pois que deleta àqueles que não quer ver mais.
Um homem não é senão aquilo que construirá de si mesmo, somente deixará de ser figura decorativa e passar a existir, à medida que se apercebe de seu papel. Sem idéia fixa não avança nem queima etapas almejando o pináculo da ambição que cintila no futuro. Nem alcança o coração do mais insensível dos seres, o teoricamente inteligente, por não ser tão profundo quanto pensa, ao dar mais voltas do que uma barata tonta. O mesmo homem-barata de Kafka que claudica nas coxias com medo de entrar no palco e dar um recado que repugnará a natureza de seu próprio intelecto. Claudica sem encontrar a órbita que a natureza delineia para todas as inteligências fluírem.
Machado de Assis já assinalava em 15 de setembro de 1862, “o pugilato das idéias é muito pior que o das ruas”. Et pour cause de nossa individualidade, apenas somos viáveis se nos compatibilizamos através do amor, na tentativa hercúlea de harmonizar as diferenças.