Os esotéricos dizem que para a gente ser feliz tem que se esquecer do passado; se possível, abandoná-lo. Quanto mais deixamos o passado no passado, mais estaremos livres. Caso contrário, seremos alvo da paralisia provocada pelo muro das lamentações que se ergue à frente e a todo instante.
O valor do passado está vinculado ao rastro de experiências que ele vai deixando. Em vez de ficar amargurado com os sucessivos casamentos, divórcios e amantes, desencantos com família e amigos, e insucessos profissionais, você deve procurar subtrair alguma experiência de tudo que te acontece. Não pense mais no afago que o feriu, esse afago não existe mais. Se conseguir digerir as tragédias do cotidiano e for deixando o tempo passar, poderá ter uma bela surpresa ao constatar que as decepções se transformaram em calmaria e restou uma sensação suave, até gostosa, de como você é capaz de refazer tudo, de amar de novo.
Somos felizes na medida em que sabemos atacar o sofrimento.
Por outro lado, ficar pensando no que vai acontecer no futuro, debruçado sobre uma janela, com os olhos voltados para o céu, pode originar um medo imobilizante que irá cortar o caminho de busca, tornando-o escravo do temor que fatalmente acompanhará o estar-por-vir. O temor infunde respeito e obediência. Libertar-se do futuro é afugentar o temor, o temor pelas desgraças, azares, imprevistos, que não podem acontecer logo comigo!
Contraditoriamente, ao nos libertarmos do medo do futuro e nos desvincularmos do passado, tendemos a ir com muita sede ao pote. Ao sermos velozes, acabamos não analisando, não refletindo, não sentindo, nos esquecendo de nós mesmos. Talvez para não ter que ficar lembrando de coisas que incomodam tanto a nossa vida e para não entrar em contato com o que pretendemos e queremos de verdade. Se permitirmos que o ritmo frenético de nossa época nos conduza ao sabor de seus espasmos, podemos até agir de uma forma que não tem nada a ver conosco.
A alternativa seria uma lentidão necessária para não aceitar provocações dos que querem combater seu ideal sempre vivo, para não deixar isso virar uma guerra que o coloque na defensiva, evitando a confrontação. Manter-se calado nem sempre é cinismo.
Gastamos em vão nossas energias ao longo da vida experimentando os sentimentos mais tenebrosos de culpa, o pão nosso de cada dia pelo que fizemos de errado, embora acobertado pelo álibi da não-intenção. Custa caro violar os mitos da bondade, honestidade, altruísmo e tudo que exalte o maniqueísmo em torno do que é bom e mau, pautado no mais belo de todos os códigos de ética, o do inocente: eu não sabia o que estava fazendo. Somos condicionados ao como posso conseguir o perdão pelos meus atos, ao medo do castigo e de não se sentir perdoado. Para evitar a degola, guiamos a justiça pela fé cega em Deus, por realizar a boa obra para se redimir, um contínuo arrependimento para – quem sabe? – mudar o passado que condena.
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