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POR QUE PARTIR DE FORMA TÃO SOFRIDA?

Por que determinadas pessoas, antes de partir para a grande viagem, são contempladas com tanto infortúnio em seus últimos dias? À primeira vista, parece uma injustiça cruel com quem já apanhou tanto a vida inteira.
Dona Marly de Oliveira, de 78 anos, morreu duas vezes num intervalo de 48 dias. A primeira, quando foi ao banco buscar sua aposentadoria e descobriu que havia sido baixada como morta e, por isso, com o benefício e o plano de saúde, descontado em folha, cortados. Sem dinheiro e sem cobertura para sua saúde. Ela, tão independente a vida toda, obrigada a pedir ajuda à família.
Quinze dias depois, o saldo zero no extrato fê-la sofrer um AVC isquêmico enquanto dormia. Sem plano, acabou sendo levada justamente para o hospital onde tinha trabalhado como enfermeira por incansáveis 34 anos. Após permanecer 33 dias na emergência, Dona Marly veio a óbito ao amanhecer sem que sua família, que costumava visitá-la diariamente pela tarde, tomasse conhecimento por seis horas, pois os telefones do hospital não estavam funcionando.
E se não a tivessem visitado naquele fatídico dia? Quando iriam saber de sua morte? Ao lado dela, enfileirados, cinco corpos fora da geladeira. Há famílias que moram longe, não possuindo recursos para pagar passagens e sequer realizar visitas amiúde. Por mais quanto tempo seu corpo ficaria à deriva? À espera de ser enterrado.
Dona Marly sofria de pressão alta. Na semana do AVC, sentiu dor de cabeça no pico, pressionada por não poder se consultar com os médicos do plano de saúde e enfrentar as filas do SUS, e sem dinheiro.
Por que, sendo imperioso despedir-se da vida após cumprido seu ciclo, foi lhe imposto passar por esse calvário? Iniciado num infinitesimal detalhe de, provavelmente, ter se esquecido de se recadastrar. Precipitando seu desencarne. Em contraste aberrante com os que partem dormindo. Por que, meu Deus do Céu?

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Antonio Carlos Gaio
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