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PRÓLOGO

Manoel Jorge Gaio, meu avô, virou espírita para distanciar-se do fantasma da avareza ao reconhecer que exagerou na capacidade de amealhar dinheiro para construir os 20 armazéns da rede que implantou ao longo das três primeiras décadas do século XX, mais exatamente a partir de 1898, constatado por mim ao descobrir o registro de abertura das Casas Gaio Marti na Junta Comercial. Numa época de baixíssimos salários, impostos quase inexistentes e ralo consumismo, instalando armazéns em sobrados que construiu com suas próprias mãos, destinando o piso superior para moradia dos gerentes, que foram se tornando sócios. Possuído por uma compulsão que implicava fazer todo e qualquer sacrifício para o crescimento da rede, acabou truncando sua evolução na missão de descobrir quem ele era e o que veio fazer aqui, enfraquecendo um traço fundamental em sua trajetória. Ficou com vergonha de si, de levar uma existência tão pobre, apesar de tão rico. Não bastou o que realizou como empreendedor – a vida de um homem não depende dos bens que acumula.

Manoel começou a desenvolver um trabalho assistencial com remédios e apoio espiritual às vovós, que se organizavam em filas na escadaria da Federação Espírita, na Avenida Passos. Até que, graças a um sonho revelador de minha avó Marietta, resolveu criar uma instituição filantrópica para atender aos pobres de modo a insuflar coragem no espírito combalido de órfãos e mães desamparadas, em 14 de março de 1932, homenageando-a por ter proporcionado estrutura e substância à sua existência, dando-lhe o nome de Fundação Marietta Gaio. Ela tornou tudo mais fácil para que Manoel fosse bem-sucedido e depois se redimisse da obsessão focada na cadeia de armazéns. Com a Fundação, Manoel cria uma nova família, menos egoísta e mais necessitada, convidando seu amigo Chico Xavier para ajudá-lo a dirigi-la. Transfere cerca de 60% de seu patrimônio para a Fundação e socializa o controle acionário das Casas Gaio Marti, dando participação aos gerentes e empregados mais eficientes e zelosos, apenas retendo 25% das ações para si e 25% para a Fundação. Sem se preocupar em deter o controle acionário.

Meu pai, Jorge Manoel Gaio, é quem viria a sofrer as consequências da família não mais deter o controle acionário da Gaio Marti, em 1969. Aos 60 anos, comandava a modernização da empresa, que ficou demasiadamente antiquada, com menos um pulmão em consequência de um enfisema, e prazo marcado para morrer, além de seriamente abalado pelo suicídio de meu irmão, Luiz Jorge Gaio. O que o apressou a assumir uma relação de mais de 12 anos com Nair Blanco Carrera – sua terceira esposa e futura presidente da Fundação quando do seu falecimento em 1979 -, e a me chamar, em vias de me formar em Economia, para, ao seu lado, reestruturar a empresa. O que levou os sócios que ocupavam postos mais importantes a se agruparem com os sócios minoritários restantes em torno de seus 50%, e destituírem meu pai da presidência, antes que fossem substituídos por profissionais do mercado. E, dessa forma, agindo contra os interesses maiores de uma empresa defasada no mercado, pouco se importando com o legado de meu avô, o português que veio para o Brasil para construir, montar e organizar as Casas Gaio Marti.

Eu contraí uma febre de 40º, sem nada estar sentindo, e meu pai, uma hemorragia interna, que o obrigou a ser hospitalizado para tratar de sua úlcera. Meu pai poderia ter revertido a situação e lutado pelo poder, mas preferiu mudar de vida e se dedicar exclusivamente à construção de uma sede em Bonsucesso para a Fundação Marietta Gaio, com a venda das ações da Gaio Marti – virando a página. De 1970 a 1979, quando morreu, empenhou-se em dotar a Fundação de uma infraestrutura de centro distribuidor de cestas básicas e fornecedor de beliches e de material de construção, de posto de saúde, de creche para 30 crianças, de lar para 14 idosas, e de polo de espiritualidade e de evangelização para os carentes de fé. Aumentando de forma inimaginável a capacidade de atendimento da Fundação, antes realizado num sobrado velho, acanhado e mal-acabado da Rua Teófilo Otoni – atualmente, a Fundação, com seus próprios recursos, proporciona assistência para 230 famílias com, no mínimo, cinco filhos, o que perfaz mais de 1.000 crianças, além de 155 idosas.

Ironia do destino: justamente o que não foi permitido a meu pai fazer pelas Casas Gaio Marti, em termos de expansão, modernização nos métodos e ampliação dos horizontes, ele acabou por realizar pela Fundação Marietta Gaio.

Moral da história: se meu pai não tivesse sido posto para fora da Gaio Marti pelos sócios, os ingratos que o traíram, a Fundação Marietta Gaio não seria a octogenária que é hoje, prestando uma gama de serviços numa dimensão impossível de se concretizar nos tempos do velho Gaio. Meu pai não teria tempo, dinheiro nem saúde. Em suma, foi preciso as Casas Gaio Marti desaparecerem pelas mãos de abutres, que as venderam para o grupo francês Intermarché em 1975, apenas 6 anos depois que meu pai se desligou da empresa, para a Fundação Marietta Gaio ganhar visibilidade e assenhorear-se de seu destino.

Eu sou a terceira geração e minha trajetória voltada para a Fundação Marietta Gaio é quase nula, se comparada à de meu pai e, principalmente, à de meu avô, embora seja conselheiro e integre o Conselho Fiscal da Fundação.

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Antonio Carlos Gaio
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