Um filme irretocável, sem um defeito sequer, que fez jus ao prêmio de o melhor na Mostra Paralela do Festival de Berlim (dado pelo público) e de melhores atrizes no Festival Sundance, conferido à dupla Regina Casé e Camila Márdila. Casé não atua, simplesmente se coloca em cena pronta para se materializar na raiz de todas as domésticas Brasil afora, mas com tanta delicadeza, ternura e sutileza, que é impossível não se sentir tocado por seu trabalho. Ourives da simplicidade nos filmes que dirige (“Durval Discos” e “É proibido fumar”), Anna Muylaert dá show no enquadramento de cenas que nos aproxima da hipocrisia com que os personagens encobrem o ódio social ou a discriminação, provocados pela realidade do confronto entre o andar de cima e o andar de baixo da sociedade brasileira numa mesma casa, em que a subserviência ainda serve de ponto de equilíbrio para moderar a relação entre patrão e empregado. Regina Casé deixa sua filha no interior de Pernambuco para ser babá do filho de seus patrões em São Paulo, a fim de proporcionar melhores condições de vida à sua filha. Anos depois, Camila Márdila irá prestar vestibular e pede ajuda à mãe. Os patrões recebem a menina de braços abertos em sua casa. Mas bastou ela não seguir o mesmo figurino servil da mãe e circular livremente pela casa, como não deveria, que o Brasil segregacionista se revela. O espectador até se arrepende por pensar que a personagem de Camila Márdila era antipática e metida a besta, quando na verdade o seu pecado foi não aceitar ser tratada como cidadã de segunda classe e a senzala persistir com muitos disfarces. Ela representa a juventude da periferia que não quer reproduzir o modelo patronal que encaixa a empregada nas necessidades da família, por já estar impregnada de consciência social. A bem expressar a realidade patrão/empregado que vem mudando no Brasil desde a era Lula.
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