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QUERIA PODER AMAR MAIS

Os animais segregam feromônios para atrair sexualmente indivíduos da mesma espécie. As abelhas, em especial, adoram fazer uso de seu arsenal de hormônios para ferrar os zangões. O mel é apenas um disfarce. Melhor seria mapear esse insólito e inóspito território em que nos tornamos seres estranhos a atrair, conquistar, submeter, trocar e trair o próximo. Do que explorar os segredos que Marte esconde, os anéis de Saturno, e se depois de Plutão a obsessão pelo amor, travestido com a máscara da onipotência, faz a gente acreditar que a vida tem sentido.
Se eu sou capaz de amar tanto, queria poder amar mais. Afinal, o amor é vício, luxúria, a sublime consciência de não ter limites, um querer deixar a marca de sua presença a ferro e fogo, a certeza de que a vítima será derrubada. Como as balas “ponta oca”, que provocam uma lesão maior porque se abrem ao atingir o alvo, ampliando a área de destruição. Uma nostalgia das origens bárbaras em que o caráter era moldado pela têmpera do mais forte e o escrúpulo, um embaraço distante do senso moral. 
Por que um homem põe tudo a perder por ciúme e capricho? Por que um homem com idade para ser avô, velho de cabeça e jovem no irresistível barato de ser vândalo e troglodita, se desestrutura emocionalmente por uma mulher que poderia ser sua neta? A ponto de não ver encruzilhadas e colidir. Trocar de carro e arrebentar as rodas por não enxergar mais buracos na estrada da vida. Arrancar a fórceps os e-mails do computador para examinar sua correspondência e descobrir com quem vinha trocando idéias. Exigir devolução de presentes e uma procuração em branco para que todos os bens havidos na união retornem ao seu verdadeiro dono. Cortejar sua família tão-somente para controlar seus passos.
Onde termina o amor e começa a intimidação? Insinuar que transmitiu doença venérea é argumentação fútil depois da AIDS. Apenas porque se odeia a vida afetiva pregressa, a tudo vivido e construído antes de sua chegada. A chegada do todo-poderoso que não gosta de ser contrariado. A ponto de alugar um apartamento em frente para poder controlar sua vida sexual depois de decretado rei morto, rei posto. O arrogante que instrui seus subordinados sobre como as coisas devem acontecer na vida. O especialista que, se não sentar e escrever o que tem para dizer, vai falar besteira, uma atrás da outra. O profissional que projeta o ser amado e depois cobra a conta. O mais ingênuo dos homens que adora contar vantagens no clube do bolinha ao arrotar que não move uma palha para conquistar as mulheres.
 “Não quero mais nada meu em você, se quiser rasgar e mandar os trapos para que confira, tudo bem, ia dar de caridade mesmo” – a bofetada que dói mais.
O ódio é uma porta aberta para a maldade. Interpreta ao pé da letra o ídolo Orson Welles, “todos matam as pessoas que amam, de uma forma ou de outra, matam em palavras, em gestos”, e comete a insensatez. Sob forte comoção. Movido pelo orgulho do macho ofendido. Atiram no rosto, nas costas, no ouvido, e carregam as cápsulas das balas no bolso como recordação. Apenas porque elas se cansaram deles. Desses soberanos enrolados na bandeira do tradicional direito à propriedade. Querem ir embora. Reconhecem que surtaram ao lado dele e agora merecem uma chance de vida mais sadia. Eles não aceitam e tentam prostituí-la, pressionando-as para manterem relações sexuais.
E se arruína a vida por um motivo fútil. “Motivo fútil, uma pinóia, só se for para quem perdeu a capacidade de amar.” Ruim com um, ruim com todos, não se pensa em outras vidas nessa vida, ou nessa vida em outras vidas, não se pensa sobre o livre-arbítrio que o conduz pelas mãos inevitavelmente até aquele ilustre desconhecido na próxima esquina. Caso contrário, ele não se autocondenaria nem pediria perdão às filhas, por escrito, um ato falho de quem teme a lei do retorno sobre as herdeiras.
Existe ainda uma última chance antes de o advogado virar a babá do seu destino. Parar o carro num beco sem saída com pouco movimento e tirar a própria vida. Mas cadê coragem? Também, mudaria apenas o endereço do sofrimento, não conseguiria terminar com essa angústia no peito da qual tenta fugir desde que nasceu. Capacidade de amar é um privilégio, uma dádiva que poucos recebem, para amar você tem que lutar com você mesmo, só vence aquele que é divino.
O melhor é continuar vivo, em liberdade, mas vivendo o inferno aqui mesmo, entre um e outro copo de uísque. Fim de noite, um Lexotan para brindar a impotência.

Antonio Carlos Gaio:
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