Impressionante como perdemos o sono por coisas que já se passaram há muito tempo e ninguém mais se lembra. A impressão que fica é a de não abrir mais a boca e guardar consigo as injúrias nascidas na incompreensão, apagar as paixões fecundadas no ressentimento, assistir à sede de vingança extinta na impotência, e a intuição falhar. Arruinando de vez a digestão.
Cede-se espaço para o desencadeamento de condutas hostis alimentadas pelo acúmulo de frustrações paridas no impulso amoroso. A destrutividade se instala atestando nossa burrice emocional e a facilidade com que afeto vira desafeto.
Eis que surge o reativo, com uma postura de pugilista que tenta socar a própria sombra, a título de treinar agilidade e precisão. Uma atitude constante, quase um cacoete, que passa a constituir um traço de caráter, tornando-o escravo do comportamento de estar pronto para reagir a qualquer momento, como se o perigo estivesse sempre presente, à espreita.
O reativo tem necessidade de mostrar que age, com medo de transparecer que está estagnado. Impõe respeito e mantém o inimigo à distância, já que o impulsivo sempre chama a atenção pela descontração com que se exibe. Reage rápido, daí ser considerado o agressor. Agressão se origina de “ir em direção a”, a algo que tanto deseja ou precisa, a agressão é força motriz da vida. Foi confundida com violência num tempo em que o impulso sexual era considerado agressivo, ofensor dos bons costumes e atentatório ao cavalheirismo, carecendo de repressão religiosa em nome da construção de uma civilização.
Tendemos a cultivar ressentimentos motivados pela antipatia. Movidos pela atração irresistível por tudo que odiamos. O que andei fazendo para chegar em quem eu sou? Será que dei as costas a quem quis me atacar? Que passividade! Ou bem se defende, ou assimila o que tem de melhor no ataque. Será que permaneci demasiadamente indeciso, duvidando da minha própria capacidade, mudo, sem que ninguém soubesse? Ou criando polêmicas apenas por não conseguir alcançar aquilo que desejava?
Não existe nada na face da Terra que não mude, problema nenhum persiste, somente a teimosia em se torturar com traumas que eternizam xavecagens e tombos aplicados em nome da esperteza. Mas a dor cede, lhe falta capacidade em permanecer incólume sob a influência de outros agentes que atuam na dissipação da ignorância, matriz de nosso sofrimento. Recusar essa evidência significa prosseguir no martírio, manter-se apegado ao passado, desacautelar-se quanto à praga da ansiedade.
À medida que observar melhor e não mais reagir, não mais protestar sem pensar, não mais opor a uma ação outra que lhe é contrária, não mais responder na bucha, enfim, não mais se conformar em atribuir seus defeitos a uma questão de temperamento, você se mostrará capaz de tomar as rédeas do seu destino. Não mais carregará a culpa sobre o que fez ou deixou de fazer. Esquecemos sempre de que nascemos humanos e não animais. Somos resultantes de uma reação em cadeia, de fatos que não se explicam em suas causas e efeitos. Há que quebrar o elo dessa corrente, saber apreciar a acidez da solução e opor-se a tudo o que o mantém acorrentado nessa posição conservadoramente desconfortável. Reagir à inércia que mata lentamente, tortura julgada normal no deslanche da existência. Reagir para regenerar e nos convencer de que é possível alcançar esse poder.