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REINAÇÕES DE PEDRINHO

Reinações é uma palavra que caiu em desuso, se referia às crianças que não paravam quietas, a bulir com curiosidade, na perspectiva iminente de aprontar alguma quebrando louças e bibelôs, derramando leite na mesa do café da manhã. Monteiro Lobato criou seu reino maravilhoso para os meninos da pá-virada e meninas que faziam coisas do arco-da-velha, reinações típicas de tempos que antecederam a 2ª Grande Guerra. Muito criticadas por adultos vigilantes no seu encalço, ralhando pra ficarem bem mansinhas, não correrem tão livremente nem sentar em qualquer posição, muito menos encarar os adultos, quanto mais falar com eles de igual pra igual. Era de bom tom manter o recato fechando as pernas ao conversar.
Nas Reinações de Narizinho, Pedrinho planejava grandes aventuras no mundo da fantasia do Sítio do Picapau Amarelo. 70 anos se passaram e o Pedrinho do estilingue se transformou em telhado de vidro, junto com o País do Nunca, onde nunca a justiça processa de forma que todos temam em desrespeitá-la. Esses Pedrinhos têm cada uma:
“Prefiro minha mãe adotiva que me seqüestrou a minha mãe verdadeira.”
Em 1986, uma seqüestradora roubou uma criança do berçário de uma maternidade para convencer seu amante que o filho era dele. Comovido, abandonou a esposa e quatro filhos, para morrer feliz 16 anos depois ao seu lado. Enganado e obturado. Legando a Pedrinho o dom de ser tapado.
A descoberta de um crime tão hediondo quanto o estupro, obrigou Pedrinho a descer do céu e cair no inferno da escolha de Sofia, entre a mãe biológica e a mãe que o criou. Sofia teve de optar por qual dos filhos salvar das mãos do nazismo, se não escolhesse nenhum, morreriam os dois. Elegeu a filha, com a consciência espumando de raiva de situações na vida que é melhor não sobreviver.
Com que profundidade ele já revela saber escolher a mulher de seus sonhos, afinal, segundo Édipo, a história de todos os amores começa na mãe que cede suas tetas para nutrir a cria. E com que apetite Pedrinho sugava, predispondo-se, prematuramente, a ser enganado. Aliás, qualquer mulher que desejar furtá-lo em sua consciência, o vídeo já estará à sua disposição para demonstrar onde e como tudo começou.
Pedrinho é um prato cheio para Juizado de Menores, defensores do não afrouxamento do limite para a culpabilidade penal e pais que desejam ver seus filhos sob saia-justa: reforçam a tese de que o menor, até prova em contrário, é incapaz, não tem personalidade própria e não distingue chope de banana split.
O Pedrinho é o garoto ideal que regimes ditatoriais procuram para dar exemplo e manipular a juventude, ao feitio da ideologia que se deseja vender. Acomodado, não quer largar da saia da mãe seqüestradora para enfrentar uma nova vida que lhe causará divisão, culpa e mais indefinições e inseguranças que acumula em seu cofrinho. O destrambelho nasceu do trauma de assaltos que não aliviam berços e desmoralizam a instituição do coração de mãe.
Pedrinho não quer crescer, se comparado ao Peter Pan. Só que Peter se divertia, duelava com o Capitão Gancho, não temia jacarés, transava com a fada Sininho, apesar da diferença de tamanho, além de ser chegado a um pó de pirlimpimpim – o pó que levava Narizinho a flutuar no tempo e no espaço sideral é da mesma natureza com que Sininho viajava no amor a Peter Pan, até hoje censurado.
Já Pedrinho, careta, ainda luta por não sair do colo da seqüestradora, embalado pelas nossas leis que prescreveram um crime tão bárbaro quanto o perpetrado pelos nazistas com os judeus, ao separarem famílias e enviá-los para o crematório. Afora a incineração, qual a diferença? A letra da pena da lei evolui no compasso do carro de boi sob o temor do legislador e julgador se verem um dia fichados e contemplados no Código Penal, pois que aos eleitores apenas cabe enquadrá-los no artigo 171.
De que adianta Pedrinho protelar, se os 18 anos se aproximam e uma nova escolha de Sofia o consumirá como uma língua de fogo cuspida pelo dragão da maldade. Logo virará um homenzinho, e nos seus documentos terá que definir se é conivente com a falcatrua, emasculando sua reputação, ou se a persistência dos pais biológicos em procurá-lo 16 anos a fio, imersos no culto à sua imagem e semelhança, será premiada com o fim das peraltices de Pedrinho.
O ser humano demanda sempre a sobrevivência seja a que custo for, pagando o preço justo da humilhação.
Acorda, Pedrinho, estás a construir tua sina! Ó rapaz, não deixe que te enfiem uma coleira e o transformem num animal de estimação. Você já foi deflorado pelo seqüestro, já te largaram no meio dessa vida que os adultos inventam para Pedrinhos, Narizinhos, Emílias de Rabicó, Gatas Borralheiras, Quixotes e Alices no País das Maravilhas. Se vira, ô malandro, tem pivete rendendo porteiro de madame com três oitão. Larga do show da Xuxa, levanta da poltrona, que o filme já começou para você!

Antonio Carlos Gaio:
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