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RELACIONAMENTO DE TRANSIÇÃO

O homem acredita que relacionamentos de transição apagam o fracasso do anterior, dentro do espírito de que nada como um novo amor para mandar o antigo para o espaço. Com o intuito de esquecer as mágoas que restaram de uma paixão que consumiu suas entranhas e o tirou do sério, descontrolando-o a ponto de não mais ser dono de si. A mulher serviria de psicanalista e conselheira, ouvinte privilegiada que funcionaria como amiga-homem e que não se manteria nos limites estritos do bar.
Como um autêntico gentleman, jamais fecha as portas para que ela alimente as esperanças de conquistá-lo, além de socialmente aparecer como muito bem acompanhado. Faz-se de desentendido para que ela crie coragem e ocupe o espaço da mal-agradecida que destruiu seu coração. Sob condição.
A generosidade é encarada com muita desconfiança pelo homem. Ao receber de bom grado, esmola demais santo desconfia. Preocupa quando a mulher lhe serve na bandeja. Tanto mimo implica numa exigência de troca. Na gratidão em reconhecer que ela está presente em sua vida, um regalo.
Como ser grato, se o tritura a angústia da implausibilidade da posse. Abolida tal escravatura, poderia amar mais de uma mulher, sem maiores conseqüências.
Tal princípio ancião ainda remanesce nos estertores do homem. Necessitará de anos consumidos a ferro e fogo para que a mulher diminua sua angústia face ao maniqueísmo ainda corrente de pôr peias sobre o amor – o verdadeiro -, aquele que arrebata e não nos deixa dormir sossegados. No qual o homem ainda procura fazer valer sua autoridade, enquanto a mulher se curva. Foram séculos de conquistador e dominador sobre a escolhida para dobrá-la perante o casamento arranjado.
Na medida em que se reforma o homem e se aposenta a figura do pai como provedor, cresce o número de famílias compostas por mulheres independentes que, por opção ou necessidade, criam os filhos sozinhas. O resultado da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, competindo em combate corpo-a-corpo, dá uma exata noção da guerra que atravessa o samba dos relacionamentos, tendo em vista a secular autoridade patriarcal não mais caber em nome de relações mais democráticas, transparentes e felizes. Queimando o filme do homem ao se denunciar desmandos e cascatas que equivalem a inúmeras outras prestações de contas que a sociedade expia em relação aos negros, índios, homossexuais, etnias, e maiorias que se tornaram minorias fruto da opressão.
Resultando na descoberta e assunção da porção masculina e feminina que existe no nosso campo de sensibilidade. Tema que mereceu chacotas de enrustidos, afinal de contas, admitir que o feminino não é exclusivo das mulheres nem o masculino dos homens não passa pela goela de mentes estreitas que lutam deslealmente em silêncio para manter o status quo nas mesmas condições de temperatura e pressão do Velho e Novo Testamento.
É muito mais fácil para essa camarilha de homens viver sob restrições, de alguma forma se alivia a frustração em cima de um pobre coitado qualquer. Contudo, lidar com depressão que gera câncer em epidemia, só torna claro que o vírus sinaliza quão difícil é se libertar de si mesmo. Trocar de pele, abaixar a poeira do ego, romper as couraças, despir-se da amargura, por trás do cinismo o amargor reina e o coração endurece. Quão penoso é ter acesso ao desejo desse homem e estabelecer uma relação com o mais reprimido dos seus complexos: o afetivo. Confundem desejo com culto ao corpo, cirurgia plástica e a exigência do prazer imediato, por ser moderno. Cultivam o medo do inconsciente, desconhecendo o ato falho, à mercê de determinadas forças estranhas ao ninho.
De que adianta remover tabus que caracterizavam a moralidade tacanha de nossos avós, se não sabemos fazer uso da liberdade? O pavor que o homem tem pelo fracasso.

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Antonio Carlos Gaio
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