Vivemos no continente das Américas, submetidos a uma ordem hegemônica capitaneada pela América, colonizados que fomos pelos europeus, sejam ingleses, portugueses, espanhóis, holandeses ou franceses. Com o Ocidente sempre de costas para o Oriente. Ignorando a civilização chinesa, que se formou como nação a partir de 200 a. C. e nos legou bússola, carvão, chá, seda, porcelana, pólvora, papel – Gutenberg só viria a imprimir a primeira Bíblia 700 anos depois. Desconhecendo que a mitologia da Índia é uma obra de arte comparável à grega e que há mais de 6 mil anos seus deuses nos remetem à espiritualidade da reencarnação, do carma e da meditação. Conceitos que chegaram ao Ocidente somente no século XIX, através do espiritismo de Allan Kardec, de tão grande penetração no Brasil de Chico Xavier.
Toda vez que os sinos tocam, badala em nós uma infinidade de sensações e lembranças, e de cantar a música de Gilberto Gil “Se eu quiser falar com Deus”: tenho que ficar a sós, tenho que calar a voz, tenho que encontrar a paz, tenho que folgar os nós. A tendência é de nos recordarmos dos entes queridos, vivos ou mortos, com o passado não deixando esquecer momentos que ficaram gravados na memória, restando o desejo de outros que não chegaram a acontecer. Os sinos nos obrigam a entrar em contato com Deus para cobrar o que é de direito, se nos achamos injustiçados, ou nos penitenciarmos num ato confessional de improviso que escapa do controle férreo de nossa consciência. Enfim, nos irmana e harmoniza com a natureza, dilui a confrontação com o próximo e sossega os sete pecados capitais.
Toda vez que se fala de sinos, somos remetidos à espiritualidade, à essência de nossa alma se vincular a propósitos outros difíceis de serem alcançados na presente existência. Seja qual for nossa crença, religião ou perspectiva de vida.
Mas os sinos já existiam antes das civilizações cristãs. Dentre os chineses, mongóis e outros povos orientais que não só se utilizavam dos sinos para convocar o povo local para comunicações e decisões do interesse geral, avisar de ataque iminente de inimigos ou coroar sagração de imperadores e casamentos. Também se observa nos sinos orientais uma sacralização contida nos mantras entoados em cerimônias budistas ou indianas que nos põem em contato com o sublime e o transcendental. A fim de alcançar uma finalidade considerada mágica.
Proveniente de uma mitologia em que se venerava o elefante branco, uma das primeiras criaturas a emergir do oceano de leite como um presente dos deuses na criação do mundo. A lucidez e inteligência do elefante branco sempre foram respeitadas por aqueles que o conheceram, embora nunca totalmente compreendidas. Sua mente precisa e aguda foi uma barreira que as pessoas, muitas vezes por suas limitações, não conseguiram superar – na mitologia indiana, o racional não entra em choque com o irracional, ambos se complementam.
Conta a lenda que um elefante branco foi posto a perambular atrás de uma cidade fantasma cheia de tesouros – eufemismo de um sítio onde você se livra de tormentos que impedem sua evolução. Uma difícil jornada em terras perigosas atravessando desertos, florestas e abismos. Nenhum trecho do percurso era seguro, de modo a se sentir objeto de perseguição, já que o desespero corrói a fé. O sol escaldante e as fortes tempestades de areia fustigavam a coragem do elefante branco e acenavam com a desistência dos tesouros em troca da segurança do lar deixado para trás – mas é melhor seguir em frente e não virar estátua de pedra.
Até que o elefante branco parou no sopé da montanha de Doi Suthep, em Chiang Mai, norte da Tailândia. Lá foi construído o templo Wat Phra That, em 1383. Para alcançá-lo, uma escadaria que parece ir ao céu ladeada por um corrimão em forma de serpente, belo e assustador ao mesmo tempo. A grande atração do templo é um sino de ouro de 24 quilates, num campanário recheado com outros sinos de diversas dimensões. Sugerindo que se experimente o soar do gongo que pode transportar aos confins dos tempos.
Vivemos sob o estigma de não sermos importantes, reconhecidos, sequer vistos. Alguns até se consideram um zero à esquerda, perderam a esperança. Mas, a qualquer momento, é possível se redescobrir. O Oriente nos ensina a saber esperar. A saber captar os sinais que a vida dá, a saber ouvir o que as badaladas dos sinos anunciam. A apurar sua intuição, sem permitir que a racionalização no curso da vida obstrua ou sabote tudo que valeu a pena aprender.
Com o Iluminismo, ingressamos na Era da Razão e nos distanciamos do misticismo, os sinos no Oriente nos previnem. Assim como o som aliciante dos muezins dos minaretes das 700 mesquitas em Istambul, conclamando os muçulmanos às orações cinco vezes ao dia. Assim como os sinos das 365 igrejas católicas em Salvador. Leva-nos a mergulhar em nossa própria alma e conjugá-la com o Universo, com a visão que cada um tem, pois livre é o seu arbítrio para formular os princípios que tornarão sua vida mais digna.
Por quem os sinos dobram? Os sinos celebram o esplendor da vida e também da morte, que, embora triste, faz parte do mesmo espetáculo.
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